sexta-feira, 23 de abril de 2010

As páginas

Abri suas páginas com um ardor que normalmente me falta na vida cotidiana. Não que eu seja frio. Apenas entediado. Suas páginas eram como quaisquer outras se vistas com o devido distanciamento. Brancas, com letras miúdas, sem figuras. Se olhássemos bem de perto, só veríamos melhor suas letras. Mas se olhássemos com atenção. Com toda a atenção devida. Veríamos todo o mundo que se escondia nessas páginas tão comuns. Um mundo vasto o suficiente para merecer de mim todo o ardor que eu não dedicava à vida cotidiana.

Quando ele chegou, eu o recebi como se fosse uma visita importante. Passei um café e dediquei tempo a ele. Eu abri o plástico que o recobria com tanto carinho, que poderia muito bem se passar por uma experiência física o que normalmente é uma experiência intelectual. Não toleraria nenhum amassado. Os únicos amassados aceitáveis em um livro são os feitos durante a atividade da leitura. Todos os outros são blasfêmias.

Depois de passada a emoção sentida – algo perto do êxtase, mas com a serenidade necessária para o momento – eu pude finalmente sentar-me e começar a utilizá-lo da maneira devida. Lendo. Comecei com a orelha. A acariciei como faria com qualquer outra dama. Depois passei para o corpo. Com aquele temor delicioso que nos toma conta antes de nos entregarmos a quaisquer atividades prazerosas. Um temor de que acabe antes que fiquemos de fato saciados.

Guardei-o, displicentemente, em cima do criado-mudo. Ali, a vista. Não o havia lido todo. Não, não gastaria tudo de uma só vez. Guardei-o assim como guardei meinha vontade, pulsante, bem fundo em mim.

De vez em quando, logo após chegar da rua, eu o abro e leio com ardor, trancado no quarto, para que ninguém me interrompa. Leio um pouquinho. O suficiente para que a minha imaginação se reabasteça, mas não o bastante para poder me cansar. Não. Quero poder lê-lo por muito tempo ainda, conservando o frescor da novidade e das revelações. Conservando o ardor que não dedico a mais nada.

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