quarta-feira, 29 de junho de 2011

... da pista ...

De batismo, seu nome é Julio. Mas poucos o conhecem assim. No clube é Eddie. Não por desejo de possuir um nome americanizado, mas pela semelhança explicita com o cantor Ed Motta.

Está quase na casa dos trinta, gordo como um rei momo, cabelos curtos ralos em cima e uma promissora barba que contrapõe a queda superior. Dança como ninguém, principalmente rockabilly.

Basta o jukebox tocar uma música antiga que, não importa onde, anima-se e vai para o pequeno espaço improvisado de pista de dança. Sozinho, dança. Balança a pança, anima o pub. Não parece ter o peso que tem, vira pluma, desafia a gravidade. Dizem que aprendeu os passos com uma antiga namorada. Dança sem afetação, tem swing.

Acompanha a música em breves gritos, faz o som de instrumentos imaginários. Joshua, o dono, mal conhece Eddie, mas sente simpatia. Sabe que as quartas não deixa de vir, bebe um bocado e não fica ébrio. Porém, o que mais lhe surpreende é sua presença na pista quando uma canção antiga toca no jukebox. Aparece, as vezes, sem que alguém saiba de onde, como se surgisse no ar.

O cansaço não para Eddie, nem as bolas de suor que vão marcando a blusa a cada música. Sai da pista apenas entre as músicas escolhidas, bebe de um gole um copo de cerveja e volta. Pode emendar uma hora de dança, sem repetir coreografias, em compasso ritmados que na década de setenta, talvez, eram tido como novos.

É Joana que, ganhando uma gorjeta de um cliente, coloca duas moedas na Jukebox. O barulho frenético a cansa, a noite é cheia, aperta o número 7, coluna D, quer relaxar. Eddie aguarda em silêncio mais uma canção agitada, mas o arfar de seus pulmões cessa rapidamente, iniciando uma tensão que começa pelos pés e termina nos olhos arregalados.

Está quase sozinho na pista e uma canção lenta começa a tocar. É o momento mais desgraçado para Eddie.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Os muros...

Atrás da mesa havia o tédio. Joshua enxugava copos quando, de repente, começou a tocar a jukebox. Era uma caixa velha de músicas velhas, cheia de vinis que o dono do lugar tinha deixado ali, quando vendeu o bar. Joshua comprara o clube e a jukebox ficara lá, jogada num canto, atrás do almoxarifado. Até que o Clube foi reaberto.

Ele tivera mesmo que correr atrás de alguém que consertasse aquela máquina. A agulha já não existia, a fiação estava roída e alguns dos vinis tinham sido quebrados. Mesmo assim, lá estava a jukebox. E ela começara a tocar.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Humpty Dumpty

Sabe, a questão de identidade é um elemento que sempre me afligiu. Quase não reconheço pessoas e elas também não me reconhecem.

Me esforço em ser invsível. Mas ao menos o nome ou a fisionomia básica poderia ser lembrada. Posso tranquilamente caminhar na mesma rua que um vizinho de apartamento, por metros, e só ter consciência de que moramos no mesmo prédio por trombarmos ao abrir o portão.

Se um nome é capaz de definir a pessoa, não sou definitivo. Passei boa parte do ano anterior usando um pseudônimo que nem fora criado por mim, alguns de seus amigos me conhecem assim e tenho de dar explicações.

Não foi uma revelação súbita, apenas uma mulher, da qual não quero mencionar, que batizou a idéia e, nunca sabendo a loucura que as pessoas chegam, optei por troca-lo. Sempre imagino alguém denunciando-me por usar um nome que não criei.

Notei que vivo procurando nomes para me aceitar. Sou um sujeito que não existe, sem nome, então. O papo do sujeito que você ouviu anteriomente me pegou mesmo, mais do que eu poderia imaginar.

E Ana volta seus olhos a mim, perguntando: Desculpe, o que você dizia? Viu que aconteceu um acidente que ta passando na tevê? E sorri com seu dente cheio de pontas.

Suspiro e engulo o riso. “Quer outra bebida?” e toco o fundo do meu copo na base do dela.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

trickster I

- Li Ignácio de Loyola Brandão falando sobre Biel García Márquez. Pois bem, dizia o primeiro velho que o segundo dizia assim: “existem personagens com nomes ruins, nomes que não combinam. Quando os nomes não encaixam no personagem, fazemos uma pessoa que não é ninguém. Construímos um nada”. Era mais ou menos isso que ele falava, que um falava do outro.

Tomo mais um gole da cerveja.

- O que vocês não entendem, caras, é isso. O lance não está só no pôr nome a personagens. Antes fosse. O lance tá mesmo em nomear coisas na vida. Pessoas, mais especialmente. Imagina, eu mal lembro os nomes com quem deito. Nem na hora deitada, nem nada. Imagina depois...

Joana, a garçonete, passa ao lado da mesa. Sorri pra mim, sacanamente. Dela eu lembro o nome, ao menos. Acho que é coisa de convivência.

- Quando a gente escreve e não põe os nomes certos nas pessoas certas, as pessoas viram nada. Elas não existem. A mesma coisa acontece com as gentes. Com a gente, até.

Joana passa de novo e deixa na mesa, à minha frente, um papelzinho. Raquel, e um número. É o que está escrito. Raquel e um número. Sem um horário. Joana olha torto, mas sorri. Pra ela é também brincadeira. Nada sério. Joana. Raquel não sei quem é. Não lembro.

- Enfim, a coisa toda é essa, e só. Se não têm os nomes que encaixam, a coisa toda que já se fez não é nada. É sempre uma busca louca por uma boca que fale um som que me diga algo. Mas elas não dizem.

Rio, a cerveja espirra pela mesa. Lembro do menino Charlie Brown na escola, do efeito bla-bla-bla que é o abrir e fechar da boca da professora, enquanto tudo que sai de som é, naturalmente, bla-bla-bla. O papelzinho da mesa, com o nome de Raquel, está agora no meu bolso. Sete anos de pastor Jacó servia...

- É, eu sou um grandessíssimo filho da puta. Hey, Joana! Traz mais uma.

domingo, 19 de junho de 2011

Prefácio nº3

Prólogos, preâmbulos, prefácios, são uma partícula literária que aprecio com devoção. Podem significar o último movimento do autor antes de travestir-se de sua escrita e personagens. Mesmo em linhas curtas – como o prefácio de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde – há uma frase que pode nos pegar de jeito. Um elemento que nos deixa mais confortável para adentrar o seio da narrativa.

Em 2007, o amigo Leandro Durazzo criou um espaço para abrigar seus textos, o blog Mísera Mesa. O texto inicial, que apresenta sua poesia, são palavras minhas. Um pretexto perfeito para produzir tal partícula apreciada.

Aconteceu que em cada ato e entreato dos coletivos literários que realizei até aqui, tornei-me o porta voz antes das cortinas se abrirem ou quem agradece os aplausos uma última vez e apaga a luz do teatro.

Ainda que o ofício de um escritor seja a margem da solidão, tenho carinho por coletivos literários. Primeiro pela apresentação de vozes dispares, que desembocam em um mesmo local, vinda de inspirações e influências diferentes. Segundo, pois como diz o ditado surrado, dois é mais forte que um, quatro mais forte que dois.Terceiro, prometo ser este o último item, é sempre um imenso prazer trabalhar ao lado de amigos queridos.

Dessa forma, chegamos ao terceiro ano do Clube dos Corações Solitários. Adentrando uma nova etapa que, espera-se, apresente conceitos inéditos. Como utilizamos esse espaço para o exercício da criação literária, transformamos o próprio Clube em elemento narrativo.

Como a nova imagem de abertura tenta descrever, estamos situados em um pub fictício. Elemento que apresenta duas idéias distintas: desenvolver personagens fixas, idéia oriunda do amigo Zé Percego e do implodido Edifício Cipreste, e apresentar narrativas coletivas que fundamentam a ambientação recém criada. Intentando esforçar-se ainda mais na exploração da composição literária.

Assim, nessa nova jornada do Clube, agora mais taciturno, maduro, entre cafés e cigarros, pegue sua bebida preferida e relaxe. O clube está reaberto e aceitando sócios leitores.

Excelsior,
Thiago Augusto Corrêa