terça-feira, 30 de junho de 2009

Viver Por Ninguém

uma brevíssima reflexão

Tenho a impressão que estou prestes a realizar algo grandioso. A dor que explode minha cabeça só pode anteceder um grande parto criativo, um jorro de idéias que não vai parar.

Dormi demais e tive sonhos tão reais que acordei agitado. Sonhei que brigava com algumas pessoas e lembro-me de armar meus braços durante o sono, brigando com o ar. Tenho levado a sério demais os sonhos, compreendido pouco a vida.

Estou plantado no mesmo lugar feito uma árvore, matéria de solidão. Achei que tinha a mim mesmo mas parece que até meu corpo quer me trair. Mesmo com remédios a dor insiste em não passar.

Dias que não há pausas para melancolias, pausas dramáticas, momentos de reflexão. Só o dia que corre e a vontade que temos de que outro dia nasça logo e rapidamente.

Há dias que tenho vivido em vão.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

o homem que comia pãos

Partia ao meio, pão por pão, rancava miolo e passava um queijo cremoso feito em Minas. Pouco queijo cremoso, muito pão. Tinha dinheiro não, pra ser de outro jeito. Presunto, peito, salsicha que seja? Nada. Comia pãos um atrás do outro, minuto depois do antes, dia após dia, comia.

Casa de taipa. Taipão, assim, beira-rio. Tinha dinheiro não, meu fio, tinha não. Morava lá pra lá, sem escola em criança, sem serviço em adulto, sem livros nas estantes. Sem estantes. Não sabia que plural de pão são pães, sabia não

por isso comia pãos.

terça-feira, 23 de junho de 2009

No Silêncio Dessa Estação Em Que Te Espero

Dedicado a C. B.

No silêncio desta estação em que te espero, amassando seu bilhete em minha mão, com olhos atentos ao relógio de pulso, sei que não vem.

As estradas, repletas de neblina, continuam em silêncio por suas promessas vazias. Poucos carros fazem movimento e passam tão rápido que não consigo discernir quem são seus condutores.

Como uma criança, ou um tolo, se preferir, acreditei em suas primeiras palavras. As promessas quentes de destino, os planos de visita, a esperança que pousa na parede mas logo é massacrada pelo jornal de ontem.

Homem crente nas palavras de homens de bem, tive por mim que viria. Fiz uma lista de festejos, planejei onde te levar. Tudo para ouvir, mês a mês, mudar a data de sua chegada, atrasando o trem de minha esperança.

Parte de mim já se foi. Mas algo permanece, de pé, no frio da estação, alimentando o pequeno fio da ilusão de que descerá no próximo trem. Mas sei que seus cabelos louros, recém saídos da fumaça do trem freado, é uma imagem bela e inexistente.

De fato, reconheço perfeitamente a figura de lábios ressecados pelo frio pois aquele homem sou eu. Aquilo que esperou por você até jogar seu bilhete no lixo e, com uns trocados no bolso, comprando cigarros para se aquecer.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

e veio a chuva, e veio o sol

Na parede há marcas de umidade. Mais uma chuva interminável que terminou por se infiltrar. Nas marcas, há faces, a face de alguém conhecido conhecido, que já vi espalhada pelo meio da multidão. Quem diabos era a face, a marca, quem é a umidade, meu Deus?

Não sou eu. Espelhado na parede ensopada, no máximo meu estado de espírito. A face é mais que isso. Nem mesmo é u'a face, face. É mais como uma sombra, um ícone, uma imagem silhueta em aquarela. Mas quem diabos é ela, meu Deus?

Não é Virgem Maria, decididamente. É um perfil de homem, antigo, perfil de homem antigo desconhecido familiar. Quem será? Não posso saber quem é, não posso ver, está o vulto mas os traços não tão lá. O que será? O quem?

Sentado na escola, hoje cedo, vi um reflexo que deu medo porque lembrava a forma úmida da escadaria. A forma desconhecida. Um reflexo periférico, o mesmo mérito de não se definir quando o olhar fixa o ponto, fixa o teto. Os dias vão passando, a chuva pára, o verão volta

mas a marca não se solta da tinta escada acima, escada abaixo. A marca não se vai: seca e permanece honorável, vista a vista todo dia em que passo. Escada saída de casa, todo dia. Marca seca. Mas quem, porra, quem?

E um dia, súbito, bêbado, meia-luz de testamento, sento a olhar pra lá. A mancha ri. Define o riso quase nulo, sarcasmo puro, cabelos bicha-vitorianos. Segundo plano: é Oscar Wilde quem me olha, é Oscar. Reconheço o que pouco a pouco foi formando no meu peito, aquela dúvida e reconhecimento. Reconheço.

E pouco a pouco me desfaço em pó.

sábado, 13 de junho de 2009

dia dos demorados...

Um: em Recife choveu que só a porra. Dia dos namorados de madrugada, chuva chuva chuva. Meu colchão, que era de espuma, virou d'água. Mas tudo bem, tudo bem, quem não tem namorada não tem nada, então a água é o menor dos meus problemas. Acordemos sete da manhã pra secar o colchão a base de vento e de luz-negra.

Dois: dormir no piso frio gelado cheio de umidade, tudo bem, a gente tenta, vai, consegue. Acorda-se às duas da tarde com a porra do colchão ainda molhado, encostado num canto tomando vento no rosto, espuma de merda.

Três, ménage a trois, até que se vai uma boa tarde. Lá pelo fim, boquinha da noite, ex-seminamorada avisa de um show, uau, de um show ao qual todos vão, de bandas das que a gente vai, a gente faz, das quais... decido ir, a despeito da chuva, a despeito de tudo.

Quartamente, saí atrasado de casa, tudo bem, passa, a chuva não tinha passado mais cedo, mesmo. E pelo caminho chlap chlap na lama toda do caminho – tinha uma poça no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma porra de poça – e pelo caminho engarrafamento, alagamento, transbordamento. A-BOR-RE-CI-MENTO.

Cinco, sem cronologia, porque lembrei agora: festa junina existe pra dois tipos de gentes; crianças e nordestinos. Só pelo fim da noite fui perceber que os infinitos explode!, explode!, eram malditas bombinhas de São João. Só pelo fim, só por depois, percebi. Tudo bem. Tô na terra deles, que me foda.

Daí fui ao show, encontrei gentes na porta, demos voltas, cervejas, e cumprimenta aqui, e cumprimenta lá, e vai, e volta, “ei!, eu vou à entrada, comprar um ingresso ali, que inda não tenho”. Crash, no limite da porra toda uma garrafa quebrada de vinho e rasg no pé do neguinho, aqui. Me fodi.

Mas tudo bem, tudo bem, não sou dos de reclamar, segui à bilheteria e “um, por favor... Como assim, acabou? Acabou? Porra, acabou?”. Acabara. Tivesse eu ficado em casa... tivesse eu ficado... tivesse eu. Dia de corno, visse?

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Crianças Brincando de Amar


“O jovem tem todos os defeitos do adulto
e mais um: — o da imaturidade.”
Nelson Rodrigues

Fez a dobra do papel, ponta com ponta, quase perfeita. A tesoura foi precisa no tracejado feito anteriormente, devagar para não escorregar. Jogou as sobras no cesto do quarto e desdobrou. Coração vermelho escarlate em cartolina.

Na parte em branco pôs seu nome. Letra de menina, inclinada para o lado. Recortou uma ponta da fita adesiva e colou na caixa. Escolhera o papel na véspera, papel de presente para garotos, azul com desenhos esportivos. Pediu um laço para a caixa, laço dourado.

Afastou-se do embrulho como quem admira uma obra-prima. Era isso, pensou. Era hora, disse. Correu ao banho, fez o cabelo, vestiu cetim. Fez-se de presente cheirando a lavanda e sabonete.

Olhou-se no espelho como toque final. O semblante belo e perecível no reflexo vinte anos enrijecido pelo tempo. Olhos que mareavam dores. Olhar para si mesma apertou-lhe o coração. Foi como a primeira descida da montanha russa, o primeiro beijo, o susto do carro da mãe sendo roubado.

Sentiu pânico quando se lembrou das lágrimas que já chorara por ele. O dono de seu aconchego, de tanto carinho embrulhado em papel, laços, perfume. Sentiu primeiro a pressão no peito, antes de ver a vermelhidão no nariz. Balançou a cabeça em negação. Amores são sempre possíveis, pensava, enquanto existir a chama.

O presente ficara em cima da mesa do restaurante, desembrulhado, antes mesmo dos serviços chegarem. Ele de mãos vazias. Apenas gestos gentis e um sorriso que mais lhe intimidava do que lhe dava afeto.

As mãos dadas de antes não traziam o mesmo calor, parecia-lhe que somente a vela posta sobre a mesa sabia como aquecer. Ela sabia. As dores não iriam embora nas fitas douradas que seriam jogadas no lixo mais tarde.

Quando se beijaram, ela tocou-o no pescoço em gesto de afeto. Suas mãos sentiram uma marca que não era de nascença nem feita pelo ardor daquelas mãos que o seguravam.

Ele e ela. Ele: dentro de si achava-se moço demais para amar. Ela: se faria cega com medo da crueldade dos fatos. Crianças brincando de amar.

12 de junho de 2009