sexta-feira, 12 de junho de 2009

Crianças Brincando de Amar


“O jovem tem todos os defeitos do adulto
e mais um: — o da imaturidade.”
Nelson Rodrigues

Fez a dobra do papel, ponta com ponta, quase perfeita. A tesoura foi precisa no tracejado feito anteriormente, devagar para não escorregar. Jogou as sobras no cesto do quarto e desdobrou. Coração vermelho escarlate em cartolina.

Na parte em branco pôs seu nome. Letra de menina, inclinada para o lado. Recortou uma ponta da fita adesiva e colou na caixa. Escolhera o papel na véspera, papel de presente para garotos, azul com desenhos esportivos. Pediu um laço para a caixa, laço dourado.

Afastou-se do embrulho como quem admira uma obra-prima. Era isso, pensou. Era hora, disse. Correu ao banho, fez o cabelo, vestiu cetim. Fez-se de presente cheirando a lavanda e sabonete.

Olhou-se no espelho como toque final. O semblante belo e perecível no reflexo vinte anos enrijecido pelo tempo. Olhos que mareavam dores. Olhar para si mesma apertou-lhe o coração. Foi como a primeira descida da montanha russa, o primeiro beijo, o susto do carro da mãe sendo roubado.

Sentiu pânico quando se lembrou das lágrimas que já chorara por ele. O dono de seu aconchego, de tanto carinho embrulhado em papel, laços, perfume. Sentiu primeiro a pressão no peito, antes de ver a vermelhidão no nariz. Balançou a cabeça em negação. Amores são sempre possíveis, pensava, enquanto existir a chama.

O presente ficara em cima da mesa do restaurante, desembrulhado, antes mesmo dos serviços chegarem. Ele de mãos vazias. Apenas gestos gentis e um sorriso que mais lhe intimidava do que lhe dava afeto.

As mãos dadas de antes não traziam o mesmo calor, parecia-lhe que somente a vela posta sobre a mesa sabia como aquecer. Ela sabia. As dores não iriam embora nas fitas douradas que seriam jogadas no lixo mais tarde.

Quando se beijaram, ela tocou-o no pescoço em gesto de afeto. Suas mãos sentiram uma marca que não era de nascença nem feita pelo ardor daquelas mãos que o seguravam.

Ele e ela. Ele: dentro de si achava-se moço demais para amar. Ela: se faria cega com medo da crueldade dos fatos. Crianças brincando de amar.

12 de junho de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário