quarta-feira, 28 de abril de 2010

Trabalho

"vagabundo que sou, acordando tarde
antes tarde do que numa hora certa errada"
(Antonio Saraiva,
Vagabundo)


Conta minha mãe que eu, quando bebê, dormia a maior parte do tempo. Com medo, ela checava se tudo estava bem e somente com a calma respiração do sono é que se tranqüilizava.

Conforme cresci, troquei o tempo que dormia no berço pelo tempo na frente da televisão. Nunca acordei cedo. Lembro de raras vezes que isso aconteceu e que fui tomei café com minha mãe. Porém, após vê-la sair para o trabalho, voltei a dormir.

Sempre fiquei em casa com minha vó, mesmo morando com dois tios, além de minha mãe. Todos eles iam para o trabalho e chegavam só quando o sol caia. Mas eu, nunca fui disso.

Diziam para mim que era enobrecedor. Mas as dores de cabeça e a cara fuzilando deles ao chegar não me passava nenhum sinal tranquilizador. Por insistência cheguei a ajudar na loja de meus tios, meu primeiro e último trabalho, graças a Deus.

Cinco reais a cada sábado, uma fortuna para mim. Mas não ficava feliz. Ainda que, no final do ano, tal quantia tenha me valido um excelente presente de natal que comprei a mim mesmo. Mas desde então nunca mais botei os pés nisso.

Me especializei em não fazer nada. Ser o tipo de pessoa talentosa que consegue, da melhor maneira, deixar os pés para cima. Esticar os dedinhos de maneira bem preguiçosa, virar de um lado e outro da cama, vadiar com devoção.

Ainda que existam quem diga que, as vezes, tiram o dia para não fazer nada. Eu resolvi tirar a vida. A toa, a toa.

Mas crescendo, os olhares indignados aumentaram. Invejando a vida que lutei para ter. Fazer nadinha de manhã, tirar uma modorra depois do almoço e ficar malemolente o resto do dia. E tudo isso, acreditem, é o suficiente para chegar a noite e eu ficar cansado.

Tem seu lado bom. Tanto tempo na preguiça me deu o dom de, só olhar, escolher os melhores sofas e camas para deitar. Aqueles que, além de conforto, dão uma vontade única de nunca sair de lá.

Assim passo meus dias. Fico na janela vendo os outros passando apressado, suando em suas camisas de trabalho. E eu confortável com meus chinelos.

Trabalho que tenha os outros, eu nasci para viver com os pés para cima.

Nenhum comentário:

Postar um comentário