quinta-feira, 24 de junho de 2010

Escola Estadual Bento de Abreu


É esse o nome do lugar onde estudei da 1ª série até o 3º colegial, aqui em Araraquara. E sendo Araraquara uma cidadezinha do interior de São paulo, mas que poderia perfeitamente estar situada no Texas ou Alabama, é lógico que, em todo mês de Junho, tínhamos festas típicas.

Para começar, tipicamente obrigatórias, visto que eram uma oportunidade excelente para a direção de um colégio público de 500 alunos extorquir dinheiro dos pais e dos filhos. Lembro-me que o diretor, seu Osvaldo Malaspina (sim, Malaspina, coincidência ou não, à vossa guiza) passava de sala em sala falando da festa, explicando que era tantos cruzeiros por pessoa da família, que já ia deixar 4 para cada aluno e que tinha que levar o dinheiro até sexta-feira. A gente tinha no máximo 9 anos e acreditava quando a "tia" ainda tinha a cara-de-pau de dizer que a participação valia nota. Pensando nisso agora, vejo que nossa sociedade tem isso de bom: já vão te acostumando a ser logrado desde os primeiros dias, para não traumatizar depois. Lembro-me que no meu colégio faziam uma competição fundamentada em exploração de trabalho infantil chamado "Miss Caipirinha". Cada criança recebia uma folha de sulfite com uma tabela de cinqüenta quadradinhos impressos em tinta azul de mimeógrafo velho. A criança pegava isso, e ia de parente em parente, por vezes vizinhos e amigos dos pais, esmolando X cruzeiros para cada quadradinho. Era uma rifa, excetuando-se o detalhe de que quem comprava não concorria a nada, o que enquadra a coisa toda em prática de mendicância infantil. A criança que vendesse tudo podia pegar outra folha e sair vendendo mais, e a que mais vendesse ganhava um jogo de dominó ou quebra-cabeças de 100 peças. Como o nome pode sugerir, era inicialmente exclusivo para meninas, mas em pouco tempo a direção percebeu que podia lucrar o dobro ao criar o "Mister Caipirinha".

Mas o melhor das festas era a própria festa. Primeiro porque nossas mães, precursoras desavisadas do movimento grunge, nos vestiam com camisas xadrez furadas, calças jeans surradas e remendadas e para completar, sujavam nossos rostos. Bigodinho era obrigatório e, se a mãe fosse agressive mesmo, chegava a pintar uns dentes de preto. Imagino como seria o Kurt Cobain aos 8 anos numa dessas.

A quadrilha. Uma série de coreografias feias, de origem européia medieval, regadas com expressões pitorescas da cultura local como "Ói a cobra!" e "Oi a chuva!". Tinha ensaio para ensinar toda essa micagem aos pobres e forçosos alunos. Alguns, como eu, eram demasiadamente descoordenados para tanto, e ficavam de testemunhas no Casório da Roça, papel cuja performance exigia pouco além de saber ficar parado. Os nerdinhos gordinhos-introspectivos-de-óculos-alvos-preferenciais-dos-moleques-que-faziam-karate ficavam todos lá, geralmente.

Do outro lado da festa, os descolados (e acho que todos conseguem imaginar bem um descolado de 9 anos de idade) ficavam no controle das duas instituições mais cafonas da festa: a Cadeia e o Correio Elegante. Pagava-se (mas calma, o dinheiro ia para a escola, o que você estava achando?) para prender crianças numa salinha até os pais pagarem a fiança (e nessa hora nós nerds gordinhos éramos muito requisitados) e para mandar recados com xavequinhos de galãs de 9 anos para as meninas de 7 ou 8. Lembro que tinha um moleque filho da puta que sempre recebia bilhetinho e depois vinha me zoar. Hoje penso que talvez ele pagasse para receber os próprios bilhetes, e me sinto meio burro de não ter feito isso na época.

Tinha pipoca, algodão doce, paçoca, quentão, vinho quente, doce de leite, churros, canjica, cachorro quente, churrasquinho de kafta, mariola de bananada, amendoim doce, amendoim salgado, pé-de-moleque, chocolate quente, milho verde cozido, bolo de milho, bolo de fubá, doce de batata doce, doce de abóbora e muita, muita tubaína. Particularmente, era o único aspecto da coisa toda que me agradava. Não era nem nerd nem gordinho à toa.

Finalmente, tinham os fogos. Ah, os fogos! Festas juninas e viradas de ano-novo são as únicas datas do ano fora do Afeganistão e do Iraque em que é socialmente aceitável ver crianças brincando com explosivos. Traques, bombinhas, bombas 1000 e 2000, com cargas em pólvora preta e pavios da marca Papaléguas. Caramuru de três tiros, buscapés e, porque não, balões incendiários. Uma criança ou outra sempre perde um dedinho, mas afinal de contas são 2500 alunos, acidentes acontecem. E chega, já falei demais de uma festividade que não gostava nem quando era Mister Caipirinha. Aliás, Mister Caipirinha não soa um incentivo ao alcoolismo infantil?

Um comentário: