segunda-feira, 21 de junho de 2010

coisas juninas

Tomou uma lapada de cana e entrou na casa. Era velório, bebia ao morto. Tradição, sabe como é... entrou na casa cheirando a cachaça, camisa aberta e choro e lágrimas.

Seu João era seu vô.

O velório estava cheio, a essa altura. Pedro chegou tarde porque bebera antes. Antes de beber ao morto, até. Porque, sabe como é, tradição... e não conseguiria olhar pro caixão sem ter bebido um pouco. A dose do morto não dava conta, então tomou umas antes, fumou umas pontas. Sabe como é...

O velório cheio cheirou a sangue, quando o neto entrou. Todo mundo olhou pro velho João, porque o neto cheirava a cachaça, cheiro de sangue vinha mesmo era do caixão. A gente toda em silêncio com olhos abertos, tremendo, a gente toda cruz-credo ave-maria e nossa-senhora-olhai-por-nós. Além de uns "Puta que pariu!" que toda gente ouviu, de um canto e de outro.

Era tradição, sabe como é. Quando o defunto sangra é sinal de que o homem tá por perto. O homem que matou o defunto. Tradição.

- Cês tudo aqui sabe como é? Sabe como é a cara do pilantra desgramado? Sabe? Sabe não, cês não sabem. Mas eu sei, ora porra, sei porque eu olho todo santo dia essa cara infeliz. Desde que me vejo por gente, até quando quebrei o nariz e no espelho tinha meio esparadrapo com dois olhos e o resto, as orelhas, tudo mais. Fui eu, tô dizendo, fui eu que mandei o velho encontrar com a onça Caetana. Rasguei-lhe o bucho a facão. Fui eu, maldição.

Daí perguntou alguém, "Por que matou Seu João?", e Pedro depois respondeu:

- Matei porque ele era bom. O vô era mais muito bom, vivia dizendo o certo, fazendo o direito, ralhando com o resto. O vô era bom demais pra aguentar um neto feito eu. E eu era novo, daí que entre novo e bom o novo chegou na frente. Na frente do velho. E matou.

A gente toda olhou, de novo, até que entendendo a razão. Pedro devia sair linchado, dali, provavelmente sairia, acho que saiu, até. A história não chega até lá. Pára antes. Até onde eu sei, depois da confissão, o neto ajoelhado, nem pedindo perdão, até onde eu sei a gente parou de chorar e lamentou o que ia acontecer. Toda a gente toda indo pra cima do Pedro, do Pedro de joelhos, sem facão nem nada, agora. Ouviu-se só um murmúrio, um lamento, vindo do meio da turba que ia. Lamento dizia que o velho era bom, mesmo, que o velho era um santo.

- São João...


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