quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Cento e Oitenta Minutos

“E vamos terminar inventando uma nova canção,
 nem que seja uma outra versão
 pra tentar entender que acabou”
 Tudo Novo de Novo, Paulinho Moska.

Ela passou duas horas chorosas tentando extrair de mim uma afirmação inexistente. Nada iria ficar bem, não para nós. O tumor que engolimos faria até nossos vermes se corroerem. Investida depois de investida, ela repetia as mesmas palavras alterando apenas as formas. Primeiro, de maneira branda, depois saudosa, raivosa, irritada, chorosa, o diabo. Depois da sétima bravata decidi dizer a verdade que eu tentava poupa-la.

Nesse momento, e somente percebi quando o revi mentalmente, eu abusava de sua fé. Se encerrasse o fim duas horas antes teria me poupado do teatro, de mais lágrimas, mas talvez não tivesse satisfação. Precisei vê-la chorar.

Alguns me chamarão de sádico. Minha defesa é argumentar que nem mesmo sei que por que quis rir. Como um jovem que se torna sedutor e conquista o carisma da garota popular. Lembrei-me de uma crônica que escrevi para um jornal sobre um reencontro de dois colegas de escola. O embate da história era o viés da vida, ele bem sucedido e ela sem a beleza juvenil. A inversão provocava o embate. Eu deveria estar me vingando de alguém quando o escrevi.

 Na segunda hora de lágrimas me sentia cético. Os anos degringolam-se de uma maneira tão rápida que, se não tivermos um parâmetro, uma certeza de irmos de um ponto a outro, temos a sensação de estarmos rumo a algo sem fim. Quero dizer que nem saberia ao certo se sentiria sua falta por si só ou pela falta de sua presença, do costume de estar sempre vendo televisão enquanto eu tentava me comunicar.

Na casa agora vazia, caminho por cada cômodo tentando resgatar suas ações cotidianas. Tentando vê-la como um ser etéreo, dessas imagens cinematográficas, que quando passam por nós se esvaem. Mas tudo que há na casa é silêncio e gosto disso.

Queria poder desliga-la como faço com a televisão. Meu silêncio a fez avançar, etapa por etapa, rumo ao descobrimento. Eu não queria expor seus erros. Quis que soubesse por si própria.

Então, eu lhe disse. Não fui eu. Mas ela sabia. Ela sabia quem era, conhecia seus limites, reconhecia o vício em caminhar em círculos e a incapacidade de ver o novo em uma mesma trilha.

Tentei esconder a verdade o máximo que pude. Não, deixe-me reformular: tentei evitar a verdade de que não mais a amava o máximo que pude esperando que ela reconhecesse que não foi a melhor, nem a maior por causa de seus próprio limites.

Sua ausência me deu mais espaço para arrumar minhas estantes.

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