quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A Mancha

Há uma mancha de sangue no chão da cozinha. A cor escarlate se destaca no azulejo branco. Tem aproximadamente três centímetros, um pouco disforme nas extremidades, mais avermelhado no centro. Foi um corte que fiz há três dias.

Parafusava um aparelho com o canivete. Com a força que fiz, a lâmina tentou voltar ao seu lugar. Um dos serrilhados penetrou em meu dedão, pequeno talho de meio centímetro.

O corte se avermelhou. Aos poucos, gotas começaram a cair na palma de minha mão. Pensei, dessa maneira, um após o outro. Sangue tem uma coloração bonita. Sua pressão vai cair agora. Foi o que aconteceu.

No banheiro, deixei que água escorresse sob o corte e a mão, limpando-a do sangue. Fui a cozinha a procura de um copo d´ água para melhorar, já trêmulo, sem sentir minhas pernas. Lembro-me do copo no filtro, do gole que dei e da dor em minha lombar, do lado esquerdo. Eu havia caído no chão, perdido a consciência momentaneamente.

Deitado, olhei minha ferida. Formigas caminhavam ao meu lado, sem consciência de minha queda. Apoiei as costas no chão, ofegante. Pensei nela. Me vi morto no chão, o telefone tocando sem parar para ela me encontrar, um dia depois. Um telefone foi meu pensamento. Nem que eu me arrasta-se até ele tinha que avisa-la que esse estúpido corte não me deixaria bem. Estava acordado há quatro horas, morto de fome sem nada comer. Obsessivamente quis arrumar aquele aparelho. Sem as ferramentes certas fiz do canivete meu aliado. Um amigo errado para a ocasião.

No chão tudo se estabilizou. De repente, ouvi o barulho da pia do banheiro. Não me recordava que a torneira estivera ligada. Levantei-me para desliga-la e compreendi melhor o que aconteceu. Cai derrubando a mesa do filtro que tombou na parede, fazendo com que água escorresse no chão, e também empurrando a geladeira que se moveu para o lado, dando me espaço.

Olhei minha mão. Queria rir por causa deste pequeno corte e da tarde faminta. Mas me sentia atordoado. Passei os próximos dias deixando a cozinha com os mesmos vestígios. Encontrei manchas de sangue no caminho, gostas escorrendo do meu corte a cada passo. E lá estava aquele belo respingo, seco, ainda vivo pela cor, como uma lembrança.

Não sou G. H. Não quero reencontrar o lado primitivo de meu ser, lamber a marca de sangue deixada no chão. Só não consigo tirá-la de lá. Como um sinal formado pelo acaso. A referência de minha queda literal.

Aquela marca de sangue parecia me avisar de que ainda estou vivo. Retirá-la me pareceu insensato, como se matasse a recordação de minha fragilidade humana, invariavelmente, propensa a quedas.

22 de Novembro de 2012

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