sexta-feira, 25 de maio de 2012

"I Love You Honey Bunny"



Um solo de bateria ecoava pelo restaurante. O som dos tambores, bumbos e pratos se mesclavam nas conversas paralelas de dezenas de pessoas, talheres batendo contra pratos de porcelana e do irritante som de crianças chorando ou correndo entre as mesas. Silêncio, no entanto, reinava na mesa para dois perto da parede esquerda, um pouco à direita dos banheiros. Fotos e quadros decoravam a parede azul. A mesa de madeira barata estava coberta por um pano vermelho. Sobre ele, uma taça com vinho branco acompanhava uma garrafa de cerveja pela metade e dois pratos igualmente consumidos parcialmente.
“Esse solo de bateria é a coisa mais deslocada que já vi”, ela finalmente quebrava o silêncio. “Cada batida no prato faz um reboliço no meu estomago. Desculpe-me se você acabar com salmão e molho de maracujá na sua camisa; a culpa será da bateria”, um sorriso amarelo cresceu no lindo rosto da mulher. Ela exibia, com descarado orgulho, o profundo decote do vestido vermelho e uma perna macia, libertada pelo recorte ousado; tinha os cabelos dourados ajeitados em um coque: perfeita sintonia com o rosto quadrado, bem desenhado. Curvas fartas contornavam a silhueta luxuriosa da mulher, sentada com graça simulada, gritando por atenção com cada centímetro exposto de seu corpo. Ele então percebeu que cada movimento parecia ensaiado. Quantas horas ela treinou tal postura e com quantos homens? Até o modo como ela segura a taça me parece falso, pensou.
“Posso pedir para eles trocarem a música para você.” Olhou para baixo e limpou as cascas de pão espalhadas pelo terno, depois passou a mão pelos cabelos curtos e ficou indeciso sobre o que fazer com elas em seguida. Por fim, segurou a garrafa de cerveja com ambas as mãos em um aperto firme, mas não bebeu.
“Não precisa”, ela retorquiu. “Estava puxando assunto. Você está muito quieto, normalmente as pessoas falam pelos cotovelos duranto os encontros, principalmente no primeiro.”
“Me desculpe. Estava pensando no sentindo disso tudo.”
“Disso tudo? Do que você está falando?”
“Disso, oras. De estarmos aqui, pagando mais que o triplo do custo real de nossa comida, jogando conversa desnecessária como uma desculpa para termos sexo, sorrindo das banalidades de outras pessoas, se perguntando quando é que vamos embora desse tédio e trepar até o mundo explodir.”
“Não precisa ser grosso. Se continuar com isso vou pegar minhas coisas e...”
“Você sabe que não quero isso. Você não quer isso, bem sei. Ambos desejamos a noitada que segue essas horas de restaurantes caros, decorados com quadros de saxofonistas obscuros e fotos de lugares exóticos. O que quero dizer é que temos que seguir esse ritual centenário apenas para uma noite vazia de significados, onde há grandes possibilidades de termos sentimentos feridos ou qualquer coisa desse mesmo baralho. Pense, você está realmente vivendo esse momento? Sua pose parece forçada e desconfortável, sua linguagem corporal vende intenções libidinosas... quanto tempo você ficou preparando o cabelo? Uma, duas horas?”
“Quarenta minutos”, qualquer sorriso, por mais amarelo e vazio de felicidade que fosse, estava agora morto, provavelmente enterrado há mais de sete palmos pelo resto do encontro.
“A verdadeira conexão entre nós poderia estar acontecendo agora, nessa mesa. Sobre quantos assuntos poderíamos conversar? Interesses que dividimos, lugares em que gostaríamos de passear em uma tarde de domingo, de mãos dadas com um bom livro nas mãos... Qualquer coisa! Mas ficamos presos em tópicos inócuos, esquivando de diálogos que poderiam expor quem realmente somos. Isso não é viver o momento. No máximo, antecipamos prazeres e os equiparamos com o pesar dessas horas perdidas em uma refeição sem sabor. Se valer a pena, se o sexo for bom, repetimos na próxima semana e na outra que seguirá... até quando? Até que ponto podemos calar nosso orgulho? Até onde...”
“Você tem razão”, a voz dela rasgou com ferocidade o chauvinismo que vinha do outro lado da mesa. Apontou com o queixo para uma foto de Miles Davis tocando com John Coltrane. Os dois homens estavam com os olhos fechados, dedos formando notas e rostos em perfeita paz. Ou em pacífica perfeição, ela não tinha certeza. “Eles estavam vivendo o momento para você? Ou estaria um deles preocupado com o que o outro poderia achar das falhas de personalidade ou do conhecimento superficial que ele poderia ter em qualquer outro campo? Sim, eu amo sexo, amo o suficiente para não jogar o vinho da minha taça nessa sua cara de porco. Vestir algo mais ousado e me preocupar em ficar especialmente bonita para você não faz de mim uma prostituta barata ou um estereótipo dos livros do John Grisham. Pensar nisso faz de você um babaca.”
Num ímpeto sincronizado, ambos pularam sobre a mesa e começaram a se beijar explicitamente. Línguas encontraram pescoços; unhas e costas se cumprimentaram. As mãos do homem percorreram a perna esquerda, exibida pelo desenho do vestido vermelho, até encontrar aquilo que procurava. Em poucos segundos os seios macios da loira estavam livres de qualquer tecido, pincelados por mamilos duros e sedentos. Os outros clientes do restaurante protestavam em conjunto, alguns puxavam a perna do homem, tentando derrubá-lo da mesa.
“Garçom significa ‘menino’”, ele sussurrou enquanto abaixava o zíper de sua calça.



Ela piscou, perdida por alguns momentos. “O que você disse?”
“No filme, ela fala que garçom, em francês, quer dizer ‘menino’. Você estava me escutando?”
“Me distrai um pouco, desculpe. Estava pensando no que aqueles dois poderiam estar conversando.” Ela indicou o casal, duas mesas distantes. Uma mulher com vestido vermelho e um cara qualquer com terno barato conversavam animados, ele constatou.
Enquanto ele falava incessantemente sobre filmes e jogos de computador, ela tentava não demonstrar tédio. Ela batucava com dedos ágeis na madeira da mesa, acompanhado o solo de bateria que persistia em continuar. Olhava para a bela fotografia de Miles Davis.
Por fim, escolheu outra mesa e começou a formular diálogos em sua cabeça.

3 comentários:

  1. Maravilhoso! Muito bem bolado...adoro seus contos pelo fato, tambem, de possuirem uma otima qualidade. Parabens cabecao! Meliza

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  2. Muito legal o tema de hj. Vc consegue captar a essência "do momento" com graciosidade, riqueza de detalhes e uma narrativa envolvente, de maneira única. Sou sua fã numero um. Super beijo. Ana Eliza.

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