sexta-feira, 4 de maio de 2012

Intermissão

“Eu tirei 17... com minha base de ataque... o total deu 35, acertei?”, parecia uma criança, ansioso e angustiado. Sua personagem estava em perigo. Gostava do homem que havia criado do nada, apenas usando sua imaginação. Naquela mesa de RPG, todos podiam criar coisas sem precisar de matéria prima, tudo que tinham de fazer era pensar um pouco e anotar uns poucos números em uma folha de papel e criar um nome. Às vezes, criar o nome era o mais difícil. Ah, ele podia rapidamente pensar em todo o passado para suas personagem, coerente com o mundo em que estavam e com seu status social, credo e caráter, podia traçar toda uma rede de contatos e relações em um piscar de olhos; até mesmo o destino de suas pessoas de papel, em alguma parte de seu subconciente, já estava formado, mas podia demorar semanas até chegar a um nome que o agradasse. 

“35?”, falou o Mestre rapidamente –trintaecinco – e se inclinou para checar o nome na ficha. “Acertou. Ricardo Coração de Leão corre até o turco e o trespassa com a cimitarra. Depois de derrubar o inimigo, ele solta a arma bárbara e saca de sua própria lâmina. Você ganhou 200 pontos de experiência.” 

A satisfação era visível no rosto, mesmo encoberto pelas várias camadas brancas de barba. 

“Meu turno! Ambrósio caminha até o hospitalário e aponta para o soldado caído, com dez flechas cravadas”, disse outro jogador, “‘Cure-o! Precisamos de todos os homens que temos, esses malditos parecem sair da maldita areia, maldição!’, ele grita.” 

“Eu corro até ele e começo a curar as feridas”, respondeu a mulher que interpretava o Hospitalário, antes de jogar um dado de vinte faces. Depois de rodar aleatóriamente pela mesa, momento em que todos seguraram a respiração, o pequena dado parou, exibindo um gritante 20. 

Os jogadores exalaram aliviados. 

O Mestre estudou algumas tabelas, virando rapidamente as páginas dos livros de capa dura e fez alguns cálculos em um rascunho que ficava sempre ao seu alcance. “O Cruzado se levanta e olha para o Hospitalário, sem saber o que aconteceu. Uma luz fraca ainda os cerca, sumindo gradativamente. Com a espada nas mãos, ele pula no meio dos turcos e mamelucos e começa a disparar golpes laterais e estocadas, ignorando as flechas em seu corpo. Antes que vocês pudessem fazer qualquer coisa, uma flecha atravessa seu crânio e o Cruzado cai sem vida, cercado pelos corpos dos inimigos; uma morte honrosa.” 

“Ricardo grita: ‘Atacar! Não façam prisioneiros!’ e faço uma carga até meu cavalo. Quantos inimigos até ele?” 

“Três. Você tem quantos ataques por turno?” 

“Dois. O Ambrósio está perto?” 

Eles olham para as miniaturas na mesa, indicando onde cada personagem estava e quantos inimigos ainda restavam. 

“Não”, responde o outro jogador, “mas estou com meu Arco Longo Composto, posso tentar matar o terceiro”. 

“Vão em frente”, responde o mestre. Os dados rolaram. “Ok. Ricardo corre na direção do cavalo, facilmente derrubando dois mamelucos, mas é surpreendido por um terceiro inimigo. Você sofreu um ataque...”, o Mestre joga um dado atrás do Escudo, usado para realizar jogadas em segredo. “Ele acertou seu braço. Você foi derrubado no chão e sente um líquido quente se espalhando pelo lado esquerdo do corpo. O turco pegou uma lança no chão e estava se preparando para perfurar seu pescoço, quando uma flecha atravessou seu peito. Ele cai em cima de você. 400 pontos de experiência para vocês dois.” 

“Meu Hospitalário está procurando Saladino”. Ela novamente joga um dado, sem obter sucesso. 

“Fomos atacados por um grupo pequeno”, disse o jogador de Ricardo Coração de Leão, “não acho que o Saladino estaria aqui. Acho que nunca vamos encontrá-lo em batalha, ele deve estar do outro lado do deserto.” 

Por trás de um sorriso sádico, o Mestre respondeu: “Vocês vão ter que jogar para saber.” 

Eles sempre tinham de jogar para descobrir e o jogo era tão divertido que eles iriam jogar para sempre, pelo menos até o Mestre decidir encerrar aquela mesa e criar outro mundo. 

Em um forte estrondo a porta se abriu e Odin entrou, carregando diversas caixas de cerveja e alguns sacos com quilos e mais quilos de ovelha cozida. “Ainda não sei porque vocês perdem tempo com esse faz de conta.” 

Olhando com desprezo para o deus nórdico, o Mestre pensou em dizer algo sarcástico sobre o faz de conta de Loki, que sempre surpreendia os deuses do norte, mas achou melhor sufocar as palavras. Mesmo sendo o Mestre, não sabia se iria para no Hades ou em Valhalla. Odin não tinha uma personalidade pacífica. 

Em poucos segundos, todos os jogadores saíram da mesa. Gaia e Zoroastro conversavam animados, enquanto Zeus fazia algumas anotações na ficha de Coração de Leão. 

O Mestre fazia planos para as próximas campanhas. Ele gostava daquele faz de conta.

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