segunda-feira, 14 de novembro de 2011

o homem da gravata florida

Doutor Oséas sentado no canto do palco, ao pé do piano, tomando uísque. Oséas feliz arrogante e triste, embora a tristeza não desponte de todo. Oséas tomando outro uísque, o terceiro, passando a mão no traseiro de Ana. Garçonete.

Joshua enxuga seus copos e olha de rabo de olho a Oséas. Filho da puta, merda, pensa ao balcão. Queria expulsar esse Oséas daqui, maldita hora em que precisei de ajuda, maldito dinheiro, filho da puta, Osé arrogante Osé arrogante Osé arrogante.

O doutor coloca os pés sobre o palco, que é baixo o suficiente para não distender nenhum nervo, nenhum nada. Oséas é velho e orgulhoso, com seu dinheiro no bolso e os pés balançando no palco, na cara do Otávio, pianista da banda de hoje. Macacos Molóides cover, o nome da banda, e tocam demais. Otávio é negro e bom que nem o Ray Charles, mas não é cego. Só de um olho, verdade, um olho é de vidro.

Joshua quebra uma taça enquanto a enxuga com raiva nos olhos olhando Oséas. Corta o dedo, Merda!, Diabos!. Ele aparece, então, e Joshua vê entrar pela porta um engravatado, mais velho que Otávio mas menos que Osé. Joshua não sabe quem é, mas desconfia. Já o vira outras noites ali, a beber. Pagava bem e não molestava ninguém, então era um bom cliente, isso era.

O da gravata vai direto à mesa do palco, onde Oséas está, puxa um cadeira, acende um cigarro, senta com ele e sorri para Otávio. Bate no pé gordo Oséas e faz com que caia de cima do palco, sapato de couro caro caindo no chão com estrondo. Maldito, pensa Oséas, já não mais sorrindo.

Maldito momento em que precisei de dinheiro, Joshua continua a pensar. Ana sabe que se não fosse por isso, por esse momento, o gordo doutor já seria há muito expulso do bar. O Clube não é um lugar para gente arrogância.

- Que pensa que está fazendo, moleque? - pergunta o doutor.

O homem da gravata sorri. Agora Osé pode ver que a gravata é florida, numa combinação de cores que ofusca as vistas. Maldita gravata, maldita gravata.

Hoje é o dia das maldições.

- Estou sentado, meu amigo, senhor, estou sentado ouvindo o bom som. Ouves? Esse menino aqui do piano parece um amigo que tive há um tempo, um preto velho que via pouco e tocava muito.

O doutor Oséas não estava ali para conversar, decididamente. Quando saía de casa, à noite, queria apenas beber e botar suas botas na cara de alguém, rir com desdém e se impor sobre o mundo. O homem da gravata, Meu Deus, mas como é bonita esta gravata!, estava estragando sua noite, e o nobre doutor já não tinha mais paciência.

Depois de beber seu gim o homem da gravata sorriu e levantou da mesa. Vou ao banheiro, senhor, logo volto. Cá estarás?

- Ora...

Foi o que Oséas pôde dizer. O homem foi e, estando ausente, deixou o doutor a pensar nas poucas e boas que ia falar assim que voltasse, o homem daquela magnífica gravata. Ainda sozinho na mesa, fechou os olhos e acendeu vagarosamente seu charuto, colocando de novo os pés sobre o palco, aos pés de Otávio.

Sentiu seu pé queimar, por dentro das botas, por dentro do couro. Não sabia se o que queimava era o couro sapato ou o coro do próprio pé. Na dúvida, seus reflexos fizeram o que qualquer reflexo faria e puxaram os pés de volta para baixo da mesa. Quando abriu os olhos estava ali, à sua frente, o homem engravatado. Sorrindo.

Otávio parecia num transe louco, tocando feito um demônio.

Doutor Oséas tinha pensado, mesmo que pouco, nas poucas e boas que ia dizer ao recém-chegado. Petulante, debruçou-se sobre a mesa e começou:

- Olha aqui, rapaz, com quem você pensa que está falando?

O homem sorriu, as cores da gravata tremularam e, cobrindo a mão de Oséas com a sua própria, em cima da mesa, o engravatado piscou para Joshua.

- Não penso. E com o quê você pensa que está falando, meu bom homem?

As mãos sobrepostas amassavam a brasa do charuto, que queimava lentamente a carne do gordo e soltava no Clube um cheiro fraco de enxofre. A atenção do lugar estava em Otávio, desvairado, tocando como num concerto internacional.

Outro copo quebrado, outro corte na mão, Joshua percebeu então que seu Osé não estava sentado. Não estava, na verdade, em canto nenhum do bar. Talvez lá fora, pensou. Mas lá fora não é problema meu. Depois de apanhar a gorjeta da gravata, Ana teve uma noite tranquila e leve como não tinha há muito tempo.

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