quarta-feira, 10 de julho de 2013

O Reverso

O encontro aconteceu durante a vida. No período entre mil novecentos e noventa e oito até dois mil e nove, em dezembro. Fazia uma das primeiras compras do Natal quando se deu conta.

Se o tempo entre nascimento e morte fora a medida escolhida como parâmetro, talvez o encontro pareça longo. Mas dando passos para trás, afastando-se do objeto, da vida, do encontro, do sintoma dos anos, compreendemos que o encontro aconteceu em ínfimo tempo.

A foto está em uma velha moldura empoeirada. E, neste momento, Jerônimo retira-a da proteção feita de madeira com a esperança de encontrar o local escrito com esferográfica no verso. Há somente mês e ano. Não sabe precisar quando estiveram naquele rio.

Observa a foto e se dá conta de que parecem deslocados vestindo o capacete e a roupa laranja de proteção. Sabe o destino que tomarão, não registrado por essa foto. Entrarão no rio, ela, ele, mais um casal e o instrutor, após uma sessão breve mas intensa de treinamento de como remar para esquerda e direita, sem perder o equilíbrio.

Tem esta imagem na cabeça há algumas semanas. Descendo infinitamente aquele rio de curvas violentas. O aviso do instrutor de que é necessária força, sua destreza em segurar o remo e ir de um lado para o outro, durante as respirações. E o momento em que, sem perceber, o pequeno bote virou. Fazendo-o ingerir uma quantidade incômoda de água, espelida em seguida pelo nariz, que ardeu suas narinas. Agarrou-se nas pedras em seguida e logo saíram do rio. Mas a imagem permanece dentro si.

A queda, a mudança de orientação. A ação é lenta ao rever as imagens. Sente a última passada do remo mais forte do que as outras. Um impacto abrupto do lado esquerdo e as águas chocando-se com o bote. A batalha entre líquido e sólido. O objeto contorcendo-se como um animal que ergue as patas dianteiras em agonia. Até cair.

A maneira com que o barco vira, lhe produzindo desespero, é como Jerônimo luta para compreender a mudança em sua vida. Repetindo a cena diversas vezes. Acreditando que, se for capaz de modificá-la, transformaria também o momento em que ela deixou de ser aquela. A pessoa que lhe era amada e hoje lhe partia em dois.

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