sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Robô de Brinquedo

As três leis da robótica são:


1ª lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.

2ª lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Leis.

Beven era um brinquedo caríssimo. De fato havia custado alguns milhares de dólares à Smith & Sons Toys and Eletronic Games. O senhor Smith achava que era um bom e válido investimento para seu tradicional estabelecimento, afinal, quem não gostaria de brincar com um robô de verdade?

Apostando nessa ideia o Senhor Smith havia comprometido boa parte do orçamento da loja adquirindo um dos moderníssimos B-7, um novo robô da US Robots and Mechanical Men que tinha o diferencial de falar. De fato ele não só falava, como podia brincar e cuidar de crianças. Em suma, um futuro sucesso.

Quando Beven chegou à loja, as filas eram gigantecas, dobravam quarteirões, cheias de crianças e até alguns adultos, alucinados para brincar um pouquinho que fosse com a novidade. O sucesso era tanto que após algumas semanas a loja começou a agendar visitas para que se pudesse ver o robô. Beven era mesmo adorável, um pequeno homem de metal, cinzento, vestindo uma bela casaca e com uma cara angulosa que lembrava um dos antigos clows medievais.

Bastava um pedido de um humano e Beven podia dançar, cantar, contar histórias - que nunca se repetiam - , ou até mesmo fazer números de malabarismo e fingir falsas quedas, muito espalhafatosas, que faziam os pequeninos rirem com gosto. Todos adoravam Beven e ele se transformou rapidamente em uma celebridade.

Existiam outros robôs da série B-7, mas aparentemente a US Robots não havia obtido sucesso em sua venda. Primeiro porque eram caros demais, segundo porque fora a grande Metrópole, onde ficava a  Smith & Sons Toys and Eletronic Games, o resto do país sofria um bocado com severas leis anti-robóticas, a maioria delas fruto da pressão de sindicatos de trabalhadores humanos.

O caso era que apesar de todo o sucesso de Beven, outras lojas não queriam correr o risco de leis anti-robóticas jogarem um investimento milionário no lixo. E a despeito da coragem e visão de negócios do Senhor Smith, a verdade é que elas estavam bem certas. Não demorou muito e um proeminente líder religioso começou uma campanha contra Beven, a  Smith & Sons Toys and Eletronic Games e a US Robots and Mechanical Men.

A campanha difamatória consistia em proferir aos gritos, na TV, que os pais estavam deixando que seus filhos fossem submetidos a presença de um ser sem alma, e que portanto só poderia ser o Diabo. E pior, que os deixava brincar e fazer amizade com ele. Foi um baque. A popularidade de Beven caiu pela metade e os olhares de desconfiança dos pais que ainda levavam seus filhos aumentaram e tornaram a experiência - outrora prazerosa - em algo aflitivo para as crianças.

Mesmo assim a Smith & Sons Toys and Eletronic Games continuou a lucrar com o robô e o manteve como destaque de sua loja, mas - por outro lado - a US Robots descontinuou a linha e passou a pesquisar robôs para outras funções, que não a diversão humana. Era o princípio do fim.

As coisas continuaram instáveis por alguns meses e só foram culminar em desastre no final daquele ano, quando Beven impediu um pai de bater em seu filho. Acontece que a 1ª lei da robótica agiu tão forte - como alias sempre age - que o robô se deslocou em uma velocidade sobre-humana, que até então ninguém sabia que ele possuia, e entrou na frente do tapa que o pai desferiu sobre seu filho. Bevin era puro metal e não preciso dizer que o pai machucou - ainda que de leve - a mão com que desferiu o tapa.

A partir dai o caminho da robótica na Terra se definiu claramente. Esse pai processou ao mesmo tempo a Smith & Sons Toys and Eletronic Games e a US Robots - que nem mais produzia a série B-7 - conseguindo uma mudança severa da opinião pública e - surpreendentemente - uma vitória jurídica que serviu para desencorajar quaisquer projetos futuros da US Robots - e de fato eles levariam décadas para retomar os robôs humanóides - e para levar inapelavelmente a falência a Smith & Sons Toys and Eletronic Games, que fechou as portas em Março do ano seguinte. 

Bevon foi considerado uma ameaça pelo tribunal do júri e destruído em seguida, mesmo com a sensata argumentação dos técnicos da US Robots and Mechanical Men, que haviam dito que o robô apenas havia interpretado com rigor excessivo a 1ª lei e que precisava de pequenos ajustes, mas que nunca havia oferecido risco para qualquer ser humano. Acontece que a humanidade, quando cria algozes, dificilmente volta atrás em seus pré-julgamentos.

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