segunda-feira, 1 de novembro de 2010

com o pé na cova

Era semana final do mês de outubro. Do lado de fora, as crianças se preparavam para o Halloween. Todas as crianças, aliás, estragando os planos sem pé nem cabeça de inventar pra 31 o Dia do Saci. Talvez por isso, por não ter pé nem cabeça, Saci e Mula pareceram encaixar bem no plano dos adultos.

Mas essa história não é sobre adultos. Do lado de dentro, fim de mês de outubro, do lado de dentro do cemitério as coisas estavam muito animadas, tudo muito movimentado: em tão-só três dias seria Dia de Finados.

Quem olhasse por cima do muro veria seu Zé Coveiro dormindo, largado, com a pá de um lado e do outro uma imagem de São Ciprião. A movimentação não era dos funcionários, que não eram mais que se Zé naquela cidade Descanso Feliz.

- Pedrinho, vem sua mãe esse ano? Ano passado ficou aquele bolo de amora tão bom, do lado de fora da tumba. Lembra? Tivesse piscado e o bolo sumia antes mesmo de experimentar...

- É. Aquele é meu bolo preferido. Mamãe traz todo ano, todo ano, faz já mais de 20, né? Ou são 30?? HEY!, Afonso, quanto tempo faz que eu tô aqui?

- 27, Pedrinho. 27 anos morto, seu menino.

- Pois bem, mamãe traz esse bolo faz já 27 anos. E a cada ano é mais gostoso...

Passaram-se os dias, deu dia 1º, beirou a boquinha da noite e nada. Teve uma festa tremenda depois das 22h, pré-finadaria, ou algo assim. Tudo cravo-de-defunto enfeitando as campas, a bebida era fogo-fátuo, uma maravilha. Só Pedrinho, que não bebia, parecia aperriado.

- Que foi, menino? – perguntou Jão Cremadinho.

- Nada, eu acho. Só minha mãe que não veio ainda... ela costuma aparecer dois dias antes do dia de Finados, pra ajeitar a campa. Mas esse ano, nada...

Virou a noite, a mortaiada foi-se dormir. No dia seguinte, logo cedo, antes das hordas de vivos inundarem o cemitério com flores e choros, uma pequena comitiva chegou escoltando um caixão. Morreu alguém na véspera dos mortos.

- Belo dia, não?

Na hora do enterro, caixão pra descer na cova, parentes chorando, pulou dali do ataúde uma velha cheia de flores, presentes e um sorrisão que nem rigor mortis tirava. A tampa do caixão caiu pra um lado, a velha pulou pro outro, parentes correram e até um dos mortos teve um ataque nervoso.

- Mamãe! – gritou o Pedrinho, correndo pra velha.

- Meu filho! – gritou a mamãe, dando pro Zé Cremadinho pedaço de bolo de amora.

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