sexta-feira, 14 de maio de 2010

O caso do corpo no jardim

Havia, é claro, de começar com alguma coisa e começou com um corpo achado no jardim de um desses ricaços. O corpo – apesar da forte tendência desses corpos de serem de mulheres atraentes e jovens – era de um homem de meia idade. A polícia foi logo acionada e chegou em menos de 20 minutos.

Capitaneados pelo irascível detetive Gonçalvez, essa era a melhor equipe que a homicídios tinha a oferecer. Se o morto fosse encontrado em um beco e não na casa de um dos amigos mais próximos do delegado Lima, provavelmente seriam destacados para o caso um grupo disforme de novatos que se acham. Todos sabem que novatos, os que se acham principalmente, tem tanta chance de solucionar um crime quanto o Sargento Garcia de prender o Zorro.

Logo que chegou à cena do crime o detetive Gonçalvez percebeu que algo ali estava errado. O corpo, claramente de um homem de meia idade, careca, fora de forma e mal ajambrado não combinava de maneira nenhuma com a pompa que aquela mansão inspirava. Logo após o legista – Rafael Batata um dos melhores do ramo – constatar que não havia sinais de violência no corpo e determinar que a morte havia ocorrido entre 1 e 4 horas da madrugada que acabara de se encerrar, Gonçalvez começou as entrevistas com as pessoas da casa.

Dos empregados não tirou muita coisa, apenas a cozinheira, que havia ido ao canteiro no final do jardim colher manjericão fresco, é que tinha tido contato com o corpo. Ela havia encontrado a vítima na exata posição em que estava no momento em que a polícia chegou. Os outros empregados nada tinham a dizer, apenas que nunca haviam visto o elemento. O detetive descobriu posteriormente que os álibis de todos conferiam e que nenhum empregado da casa trabalhava à noite e todos eles haviam chegado entre 6 e 6 e meia da manhã. Apenas o jardineiro chegara antes para adubar alguns canteiros de rosas que havia esquecido, mas não tinha visto nada de suspeito.

À noite, na casa, apenas a família permanecia. Por família entendam o ricaço dono da mansão – Leopoldo Nunes –, seu irmão José e a sobrinha Lílian. Todos estavam na casa na noite do crime. E foram eles os próximos a serem interrogados. A sobrinha, uma moça sem-graça de uns 25 ou 26 anos, com ares de séria disse que estava dormindo na hora, que havia ido para a cama as 11h da noite pois entrava cedo no trabalho. Seu pai – magro e berando os 60 – disse a mesma coisa, alias, trabalhavam os dois nas empresas do ricaço. Leopoldo – de meia-idade era gordo e tinha um cabelo estranho e volumoso – disse que só havia chegado pra lá de 3 da manhã. Segundo ele havia saído para uma peça com um velho amigo, o que o detetive descobriu ser verdade posteriormente, e depois emendado em um restaurante desses chiques. Ele disse também que achava que a única possibilidade era que o corpo havia sido desovado na casa. Gonçalvez considerou a hipótese e logo a descartou.

As coisas não se encaixavam nesse caso. Aquele corpo não cabia naquela cena do crime. Sua experiência lhe dizia para mexer afundo nisso. O problema é que como o dono da mansão era amigo do delegado, as coisas se complicavam e a pressão para encerrar a investigação como inconclusiva, antes mesmo dela começar, eram grandes. Gonçalvez não gostava do delegado Lima, mas se quisesse continuar, teria que pedir permissão. Lembrou então do filho do delegado, um molecote metido a bon vivant que havia conquistado um cargo na polícia graças à influência do pai. Convidou-o para almoçar e discutir a questão. O relato a seguir é do próprio detetive, que contou a mim e a alguns outros colegas.


Sempre odiei esses almofadinhas... esse tenente era vegetariano... pode? Um maldito viado vegetariano... caralho, que raiva! Ele pediu alguma merda de salada sem gosto, eu, só pra foder olhei pro garçom e pedi:

“Você tem um daqueles bifes macios, sabe, aqueles feito com bezerrinhos bem novinhos?”

Ele respondeu

“Baby bife senhor?”

“É, esse mesmo. Mas confere direitinho pra me trazer o mais novo que você tiver.”

Ver a cara de asco e pavor daquela bixa Vegan foi um dos momentos impagáveis daquele dia...

Ele continuou o almoço todo com medo de mim. Era o que eu queria.

Pedi pra ele falar com o pai e a bixa acabou aceitando. Como o pai paparicava aquele pederasta eu consegui o que queria. Colocar na parede o ricaço.


Gonçalvez, com carta branca, chamou Leopoldo na delegacia para “novos esclarecimentos”. O milionário chegou com pompa e o detetive o colocou dentro da sala de interrogatório, sentado na mesa. Era uma daquelas salas com vidro falso, na verdade a única da cidade, um luxo normalmente inútil já que não haviam especialistas para observar os interrogatórios.

Ao invés de entrar na sala direto o detetive preferiu ir antes falar com o legista, que a essa altura já tinha uma idéia bem clara da causa da morte. A vítima havia sido envenenada. Claro que os exames demorariam dias, mas o resultado seria aquele. Gonçalvez pensou com mais firmeza que o caso não se encaixava. Mas a figura já se formava na sua mente e quando entrou para o interrogatório o crime já era claro para ele.

Pressionou tanto o ricaço que ele confessou. Não tinha como não fazê-lo, afinal, era ele mesmo o assassino e sua vítima era ninguém menos que o verdadeiro dono da mansão. Acontece que Leopoldo havia sido assassinado por seu irmão e um cúmplice – o falso ricaço –, que pretendiam enterrar o corpo no jardim e depois declará-lo desaparecido e, assim, ficar com a fortuna toda.

O problema foi que o jardineiro chegou muito mais cedo que o normal e quase os surpreendeu, fazendo com que eles tivessem que esconder o corpo ao invés de enterrá-lo. O plano permaneceria o mesmo – enterrá-lo no jardim – apenas havia sido postergado, mas a maldita cozinheira resolveu que precisava de manjericão e achou o corpo, dando o alarme e chamando a polícia antes mesmo de avisá-lo.

Como Leopoldo não costuma ter contato com seus empregados os criminosos – que haviam sido acobertados por Lílian – tentaram contornar o problema de uma maneira que para o detetive Gonçalvez pareceu infantil, vestindo o amigo de José com as roupas e a peruca do morto, desviando o foco da verdade, já que nenhum policial ali conhecia pessoalmente Leopoldo Nunes. O detetive achava que de fato eles teriam muito mais chance de escapar se tivessem simplesmente deixado o corpo no lugar e forjado um álibe.

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