sexta-feira, 21 de junho de 2013

"The Strong, Silent Type"

Ele empurrou a porta de tela e saiu para varanda. O sol descia no horizonte feio dos subúrbios, jogando espectros de luz em feixes multicoloridos. Um fim de tarde como todos os outros: crianças jogando bola em campos improvisados, o cheiro doce de bolo dentro de algum forno vizinho e o gás dos carburadores que cuspiam poluição sonoramente ao passar pela rua. Um fim de tarde, no meio de uma semana como todas as outras: e ele ainda de roupão branco, vestindo apenas uma camiseta sem mangas e uma cueca surrada, segurando a mesma caneca azul de sempre, cheia até a borda de café forte. Era assim que funcionava, a lei complacente que todos respeitavam.
Funcionava porque era o rei.
A coroa que pesava em sua cabeça não fora herdada quando completara a maioridade, mas sim um halo que não esperou pelo amadurecimento emocional, uma conquista que reservava piedade e simpatia para ninguém; a espécie de conquista por mérito, feito que apenas os mais fortes poderiam sentir o sabor, um gosto amargo que descia em conjunto com as mãos sujas do sangue rebelado, derramado pelos ladrilhos da cidade. Sangue oculto por maneiras ainda mais abomináveis e cruéis, sangue que nunca chegava ao conhecimento de peritos criminais e criava a esperança para mães em desespero, que aguardavam a figura do marido entrando pela porta, com um olhar cansado no rosto e a sede por uma cerveja gelada na garganta. Homens que jamais retornariam para sua família, pois eram degraus em sua escalada e cada um deles descansava um sono atormentado pela cólera da injustiça, em covas profundas, desconhecidas. Seguras.
Vivia o sonho americano, apenas isso. Justificava seus atos na segurança que entregava para seu território, vivia diariamente com a opulência que a fama lhe prestigiava e bebia do medo estampado no rosto inimigo. Hostilizava. Ameaçava. Matava. Fazia o que era necessário, realizava o trabalho sujo que os pais de família, com seus ternos bem passados e espírito destruído, negligenciavam. Todos os outros fechavam a janela e desciam as cortinas quando alguém estava sofrendo na mão dos viciados, que roubavam para alimentar o cérebro condenado pela metanfetamina; aumentavam o volume da TV quando trabalhadoras honestas eram estupradas e esfaqueadas nos becos ao lado. James era o rei, o chefe. Capitão dos capitães. Em seus ombros, o peso de afastar a corja imprestável que parasitava os que se calavam. Ele sorveu o café e olhou para seu território, sua cidade. Chefe. Todos demonstravam respeito, temiam a dor que viria com a ausência deste.
Um carro desceu pela rua, jorrando música alta. O Mustang desacelerou e o vidro desceu, aumentando ainda mais o volume da música insuportável. James cerrou os olhos e viu os quatro rapazes, ao menos um deles negro e o outro de origem latina, exibindo o cano cerrado de duas calibres .12, deixando clara a mensagem que desejavam passar. Ele sorriu de volta, os olhos formando dois arcos cativantes e levantou a caneca em cumprimento. Venham até aqui, filhos da puta, e eu enfio esses canos tão fundo na bunda de vocês que irão sentir o gosto da pólvora na língua. Apontou um dedo para eles e disparou com um revólver imaginário. Bang!
O maldito sonho americano. Deixou os ombros - largos e fortes - caírem ao pensar na atual situação em que estavam. Seus antepassados suaram e sangraram por aquela cidade, erguendo telhados e colocando janelas em casas que eles haviam construído com as próprias mãos, na base da tentativa e erro, pagando com vidas em acidentes indescritíveis. Eram homens de virtude, bons cristãos que sabiam respeitar o esforço de outros e se mantinham na linha; eles sim, bons cidadãos, pessoas íntegras sem as frescuras dos psicólogos de hoje, inventando doenças e condições que precisavam de acompanhamento, entregando prescrições como a porra do Papai Noel, forçando-o a tomar remédios que provocavam redemoinhos em sua cabeça e deixavam o seu pau mole. Hoje, James não podia dar uma volta no quarteirão sem encontrar um maldito hippie trovador, envenenando a cabeça dos mais fracos com a baboseira de esquerda. Gostaria de passar um tempo com pessoas como aquelas. Apenas os dois, fechado em um porão por algumas horas. James o faria mais homem, tinha certeza.
A porra maldita do sonho americano. Vomitando fumaça escura, o Mustang desapareceu mais adiante e ele mostrou o dedo do meio em sua direção. Filhos da puta.
James balançou a cabeça e sorriu. Começou a voltar para casa. Precisava ficar pronto em menos de vinte minutos para recolher as coletas da semana, depois planejar o ataque contra os latinos e os negros que tentavam invadir o território italiano. Juntar seus capitães, armar os soldados rasos. A família, a verdadeira família. Crianças que ainda cheiravam ao leite azedo das tetas de suas mães, mas que agiam como se estivessem no mesmo nível. Negros e porto-riquenhos ou venezuelanos - mexicanos ou brasileiros, não fazia diferença e ele estava pouco se fodendo com a etnia miserável da qual vinham, o fato era que estavam se organizando, criando um problema que tirava o seu sono. Havia história violenta entre ele e as outras raças, mas ele não distinguia pela cor. Sentia pena ao matar os jovens, mesmo os que ofereciam riscos. Tantas possibilidades desperdiçadas, espalhadas pelas paredes depois dos projéteis disparados em suas cabeças.
Era a ordem das coisas, ele não tinha ação sobre o que acontecia. Apenas aprendia a se adaptar e arrumava meios de lucrar em qualquer situação.
Por isso era o chefe. Por isso tinha a obrigação de cair com tudo sobre aqueles desgraçados, matá-los antes que percebessem o ataque.
O tipo forte e silencioso, pensou consigo. Eis sua definição. O tipo que resiste até o final.
Bebeu o café e pegou o jornal embrulhado no plástico antes de entrar na casa e continuas seus afazeres. Até que outro, mais forte e talvez mais silencioso, chegasse e acabasse com seu reinado. Não havia o que fazer, era outro ponto em que tinha de aceitar a lei de sucessão. Buon’anima. Era tudo. Fim. Adeus.
Até lá, iria bater com todas as forças que tinha. Puxou a porta de tela e entrou na casa.


Fade out. Black screen

Nenhum comentário:

Postar um comentário