quarta-feira, 18 de julho de 2012

Obscuro

Estou fedendo. Não tomo banho há dois dias. Não saio de quase a quatro. Passei mais uma madrugada escrevendo e agora pássaros cantam lá fora. Meu pulso esquerdo começa a pedir arrego mas não consigo parar.

Não é compulsão de despejar palavras em uma folha. Nem fluxo de consciência. É método. Uma ideia que transpassou a cabeça e não me fez parar. Agitado como cocainômano. Embora nunca tenha visto um só lido a respeito.

Tenho as unhas sujas. As que não sujas, estão roidas. Começo a ficar com fome. Por toda madrugada comi somente um bom bocado. Sei que parece bobo. Pedi para a vizinha me trazer qualquer doce da padaria e ela me trouxe esse. Bom bocado. Acho o nome engraçado.

Enquanto escrevia pensei em amigos. Percebendo como estão velhos. Minha narrativa levou-me a reflexão interna. Lembrei de mulheres que antes me davam desejo e hoje foram massacrada. Como provavelmente estou, sem dúvida.

Tenho vistos meus amigos e não consigo salvar nenhum. As fotos do passado são mais límpidas. Mais corretas do que esse desastre. Não encontro um que possa afirmar, sim, está diferente, está melhor.

Faz frio nesse quarto na madrugada enquanto penso. Muito espaço para pouca mobília. Não achei meias limpas exceto as sem par. Uso uma de cada cor e como não saio de casa, tanto faz. Esquentam e me basta.

Deve ser segunda feira. Há mais constância de barulhos nesse dia. Somente ouço, não vejo. Lembro-me de amigos que gostavam de assistir o nascer do sol. Observando a bola incandescente. Sabe que nunca dei a mínima?

Encontrei uma amiga na rua semana passada, nome Carolina. Lembrou-me que nos conhecemos há dez anos. O número não significou nada, não foram anos de um contato contínuo. Sempre que a vejo ela parece interessada em mim. Pode ser meu egocentrismo. Lembro dela aos dezesseis, quando nos conhecemos. Olho para ela hoje. Não é a gordura que me incomoda mas a falta de perspectiva nos olhos.

Como se chegasse a descida violenta da montanha russa. Como, me pergunto, você antes mesmo dos trinta é capaz de ceder a vida. Os quilos, as tristezas, acidentes, ejaculações precoces, porque pequenos momentos parece emparedar as pessoas.

O texto que escrevo fala sobre a morte. Não o descanso final mas aquele tipo de morte enquanto ainda vivos. O descompasso entre vidas. O retrocesso da relação. A parede de concreto colocada no caminho. É a dor invisível com que gosto de trabalhar.

Me admira a tentativa de acreditar em esperança estando coberto de amarras e prisões. Sorrindo por um dia bom até o céu ficar nublado e aviões baterem em prédios gigantescos, porque não? Não queria falar assim, desculpe. Fui movido pelo clichê.

Gosto de me ver caótico. Admira-me o odor subindo as narinas enquanto agito os braços. Enquanto coço a barba rabiscada no rosto. Me dá uma sensação de foco. A missão é escrever o texto. Nada mais. Se sinto fome, como. Se sono, durmo. Mas persisto compondo essa história.

Mas não há um fim. Não sem nem mesmo chegar onde quero. Não sem nem mesmo chegar com estas também. Um banho não adiantará nada. Continuo a escrever.

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