segunda-feira, 6 de maio de 2013

montra

- Vindo pra cá, na madrugada - orra, claro, são já quatro da manhã -, eu vi um casal sentado em frente à loja em Taquaranã, sabe? Claro que a loja tava fechada, mas a vitrine não tinha grade e uma luz azulzinha iluminava os produtos ali, as estatuinhas. Aham, estatuinhas. Era engraçado, uma série de degraus cobertos com pano dourado - parecia um altar de umbanda - e em cada um dos degraus um monte de imagenzinhas, pequenos santos, budinhas, cristo crucificado, cristo sorrindo, cristo curando o leproso. Tinha pra todo gosto, mesmo. E o casal lá, parado, um do lado do outro, sentados no banco em frente - que era tipo mureta - e olhando e olhando e olhando pra vitrine de luz azul, pros degraus pra umbanda à venda. Eram indianos, acho, ou paquistaneses. Ou de Bangladesh. Aliás, ontem mesmo eu tava andando pra casa e apareceu um rapaz indiano paquistanês que depois descobri ser bangladeshiano e ele queria saber o caminho pra minha casa. Não, bicho, pra um lugar na esquina de casa. Queria que eu dissesse o percurso do busão que ia dali pra lá, mas como eu não sabia, porque eu não dirijo, entrei no carro com ele e com outro muçulmano doido vesgo e com barbão sunita e fomos indo, aí sim que eu consegui explicar o caminho.  Mas o casal eu não sei, poderiam ser de qualquer lugar, até porque era tarde madrugada e a mulher tinha um lenço na cabeça - tava frio pra diaba essa noite, acho que agora esquentou - então eu não vi. O que eu vi, nos poucos segundos em que passava pela calçada atrás deles, atrás da vitrine, com a luz azul refletindo na lua, era que eles olhavam imóveis pros bonequinhos estátuas imagenzinhas de santos. Imóveis. Por alguns segundos, pelo menos, porque eu passei rápido, tava com pressa pra chegar aqui que eu tinha combinado um lance com Joana e já era tarde, como eu disse. Mas sei lá, na minha cabeça aquelas imagenzinhas olhavam de volta o casal e o casal olhava de ida as imagens e o tempo entre o vidro e os olhos estava parado, parado. Arrisco dizer - arrisco sim, que que eu tenho a perder? - que o tempo parou mesmo e continua lá, paradinho, prendendo o fôlego pra ver quem primeiro abandona a mirada. Cara! Saquei. Eles estavam brincando de "quem pisca primeiro" com as imagens. Meu deus! Tavam, tavam sim. Eles dois, provavelmente depois de uma briga, de um aborrecimento, de um aborto, da morte do sogro, de qualquer merda dessas, qualquer fato tenso, qualquer caso triste. Era isso! Estavam descontraindo. Lá, na vitrine, olhando jesus cristinho olhar pra eles. Tristes. Parados. Sorrindo.

A partir de hoje nós, aqui do Clube, voltamos a postar textos temáticos. A proposta já foi utilizada antes, logo no começo deste blog: a partir de um tema - um mote, uma sugestão -, todos os integrantes desenvolvem suas próprias ficções. O tema desta semana é "um casal".

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