quarta-feira, 15 de maio de 2013

Around The Clock

Mais uma manhã comum, de uma quarta feira comum, de uma reunião semanal costumeira para balanço da semana anterior e eventuais análises de casos problemáticos na empresa. 

Eram seis, em uma mesa circular, com seus cafés recém saídos da máquina de expresso e os rostos ainda projetados no breve adormecer da noite anterior. Mesmo que todos, com a exceção do chefe, tentassem esconder a sonolência com maquiagem ou roupas alinhadas.

Ainda atrelada aos seus pensamentos, Camila fitava o rosto do chefe sem discernir ao certo suas palavras, pronunciadas em uma cadência longa e em tom baixo que mais relaxava-a, aproximando-se da vontade de apoiar os braços e a cabeça ali mesmo na mesa, do que lhe despertava. Levantou-se para retirar mais uma xícara de café da máquina.

O barulho dos grãos sendo moídos pelo processador incomodaram o chefe que interrompeu a fala fazendo a mulher enrubescer. Ela lhe deu um sorriso com todos os dentes, como quem pede desculpa, e voltou para a mesa. Quando seu despertar aconteceu.

Sentada na cadeira ao seu lado, Luciana, sua colega, apoiou-se em uma das mãos, direcionando a cabeça para o chefe. Seu punho direito, até então escondido pela manga cumprida, se revelou. Fazendo os olhos de Camila brilharem.

Era feito de metal em entalhes dourados e prateados. Aro pequeno, delicado, que a fez lembrar doces de confeitaria que, além de saborosos, são um deleite aos olhos. Mas o que lhe deu um arrepio em todo corpo foi o nome estampado no centro do marcador.

Era o relógio que Camila desejava há meses mas que não podia comprar por causa da dívida sempre infinda dos cartões de créditos. E lá estava ele, brilhante, admirável, lindo, no pulso de outra mulher que não ela. 

Cada movimento de Luciana era acompanhado pelos olhos ternos de Camila. Estava apaixonada. Durante tanto tempo havia desejado o relógio, mas pela primeira vez o via a olhos nus e ele se revelava mais do que perfeito do que as imagens que via nas revistas ou nas lojas virtuais.

O tempo se arrastou na hora seguinte e Camila pouco prestou atenção na reunião. Pensava na mudança que sua vida teria ao tê-lo em seu pulso, via-se ganhando uma promoção, escolhendo roupas que combinassem com o adorno mas, ao voltar a realidade, sabia que ainda não seria aquele mês que poderia arriscar uma prestação a longo prazo.

Quando a reunião acabou, ela olhou para o relógio da colega como se despedisse de uma paixão platônica. Deu um longo suspiro e, ao olhar em seus pulsos, riu ao ver apenas uma fita vermelha presa em um deles.

Aproveitou a hora do almoço para descer ao centro da cidade. Olhou as lojas de roupas como de costume e, em uma relojoaria, se encantou com o mesmo relógio visto anteriormente. Ali, com o reflexo do vidro, parecia mais pálido. Se eu tivesse dinheiro, pensou. 

Ao retornar para o trabalho, parou na banca de camelô que visitava quase todos os dias. Ocupava uma longa parede de uma loja desativada e a variedade vasta ia desde filmes piratas, bijouterias, até óculos de sol e relógios de grandes marcas a preços módicos que o vendedor garantia a originalidade.

E ali o viu. Entre outras marcas, sua pulseira de metal em prata e dourado, aro pequeno como um doce bem confeitado. Parecia tão real, idêntico ao que ela viu no pulso da colega que, quando percebeu, já estava com ele nas mãos, posando para um pequeno espelho que o vendedor tinha na loja improvisada. Resolveu leva-lo por trinta e cinco reais.

Colocou-o no pulso como se trajasse uma das joias da rainha, nunca pareceu tão altiva no trabalho, nunca tão carinhosa em saudar a todos erguendo a mão para um rápido aceno. Desejava que todos observassem a nova conquista.

Mas Camila ainda sentia-se entristecida. Estava com o relógio há quatro horas e tudo estava igual. Ninguém lhe perguntara a respeito. No fim do expediente, o chefe, despedindo-se, perguntou sobre o adorno.

Sentiu outro arrepio com a mesma intensidade daquela da manhã. Era o momento de mostrar ao chefe o requinte,  beleza, e de como ela, elegante, merecia muito mais na empresa.

- É muito bonito sim – lhe disse – mas a Luciana não tem um igual?

Foi por pouco, mas seu sorriso quase se desfez.

- Tem sim, mas – e aproximou-se brevemente dele, diminuindo a voz – o dela é falso, desses comprados em camelô. - o chefe assentiu, lhe deu aceno e foi caminhando para o estacionamento.

Ela sabia que havia contado uma mentira. Mas era uma mentira tão pequena que não significava nada. Não haveria de significar. Foi Luciana que se atreveu a comprar o relógio antes dela. Essa era a verdade. E, pensava, aquela sonsa bem que mereceu

14 de Maio de 2013

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