quinta-feira, 10 de setembro de 2009

nostragamus

O último alimento do mundo tinha acabado. Ali, agora, naquele momento mesmo. Houve pânico e horror. Depois, com calma, fúria. O último alimento do mundo tinha sido devorado por um deles, quase na surdina. Rápido como o agudo ruflar de asas. Os outros, pouco a pouco, formaram um círculo em torno dele, do que comera. Dela, na verdade. Uma fêmea.

Era previsto, eles sabiam, era profecia: um dia o mundo não ia mais ter horizontes pra criar outras comidas, outras fontes de nada disso. Ela sabia, em especial: era profecia. Comida a última porção, o comedor seria, ritualmente, posto de lado.

Porque, vejam, não era possível aceitar Aquele-que-devora-sozinho-o-que-é-de-todos. O círculo se fechava em torno da fêmea acuada, tremida, manchada com os restos da Última Refeição.
“Não há mais para onde ir no mundo”, pensavam, “Os horizontes estão fechados e o solo que nutria acabou de acabar. A última gota foi sorvida”.

Ela esperava ser banida, mas não estava pronta praquilo que vinha, pro que ocorreu. Com o alimento ainda no bucho, no centro da roda, a fêmea foi despedaçada pela horda. Tripas, asas, pernas finas foram arremessadas. A gota de sangue que sorvera era, agora, repartida pelos que restavam.

No quarto, morto, um corpo seminu. Em torno, paredes, janelas fechadas e, infelizmente pra eles, nenhuma frestinha por onde pudessem voar.

2 comentários:

  1. Uau, ''homem polvo''... Sem comentarios pro seu texto.

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  2. as profecias fazem medo.

    tem um pouco de Caio Fernando Abreu aí. e muito de Leandro Durazzo.

    adorei! :)

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