terça-feira, 15 de setembro de 2009

A Vida Como Objeto Pontiagudo

De um lado a aspereza do asfalto contraí a pele de seu rosto, do outro a sola grossa que o deixou no chão produz uma marca além da violência. A sensação de ter as mãos atadas, sem nada fazer. Apenas erguer os braços, gritar inocência e que levem logo a carteira.

Sentimentos como esse vem à tona vez ou outra na escuridão da noite. Em uma noite que parecia ser boa, com lençóis recém postos, um clima agradável para um sono que não vem. Assim os pensamentos flutuam longe.

Se transmutam em uma borboleta horrenda que pousa em seus abismos. Cada retorcida na cama, cada troca de lado, cada amassada no travesseiro é uma manifestação para evitar os pensamentos ruins.

A vida como arma adentrando seu peito parece inevitável. Ontem descobriu a tristeza de uma amiga pelo luto, em menos de um mês perdeu duas pessoas. Ficou sem palavras para lhe dar conforto.

Na rua, dos poucos amigos que vê, não reconhece mais a partícula de si próprio que deixou neles. Seus planos fogem dos planos deles. Planejam juntar trapos, morar em outras cidades – tem a sensação que mais por fuga do que por desejo, velarem seus mortos enquanto outros aguardam a chegada de uma menina. Tempos modernos, dizem alguns. Tempos mudados, ele afirma.

Com as luzes da casa apagadas se torna difícil observar a inutilidade da mobília. Com a claridade tudo parece pálido, como um cadáver. Cada qual em seu lugar. Falta caos, desarranjo nessa harmonia. Tem a sensação que o próximo passo natural é ser um jovem suburbano comum. Uma denominação que não gostaria de se encaixar.

O despertador toca as seis e vinte da manhã. Quando percebe, da porta aberta do quarto, o dia dá sinais de vida, não parecia tão cedo. Dormiu pouco, refletiu demais, dormiu nada.

Um café duplo para reanimar e fazer nascer seu dia, anestesiando os pensamentos. Sanduíche de queijo e presunto, duas fatias de bolo. O caminho para o metrô. Pelo horário de seu relógio de pulso, chegará atrasado ao seu turno.

Seu plantão começa as sete de hoje e termina as treze de amanhã. Seu desejo é que seja fácil, mas sabe que será dificil.

Na porta do hospital, o que o faz prosseguir é saber que nas próximas trinta horas, ele fará o possível para fazer a diferença. Salvar, pensa, quem conseguir com sua aptidão e habilidade.

Passos antes de entrar nas portas largas da emergência ele para, observando a placa de Pronto Atendimento em cima dela. Após um suspiro pergunta-se quando conseguirá salvar a si mesmo.

Fecha os olhos com força, abre-os, coloca o estetoscópio no pescoço e entra na sala iluminada, sorrindo, e dando bom dia a todos.

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