terça-feira, 14 de julho de 2009

Álbum de Família

Sou o fotografo dessa reunião por um número tão incontável de vezes que me esqueci. Tenho que recorrer aos meus arquivos de metal para comprovar pelos negativos quantas vezes capturei a imagem daqueles que lá estão.

São anos tão antigos que ainda revelava minhas fotografias em uma câmara escura, com produtos químicos e um varal para secar as fotos. Duas delas foram feitas assim. Dois retratos que vejo, lado a lado, com o último que fiz.

A permanência de um mesmo cenário, cadeiras postas em um quadrado, decorando uma cena. Na parede um retrato de um horizonte, tão velho que deve estar morto. Na figura, como carimbos definidos, o mesmo grupo da família. A mesma sentença da primeira imagem, agora com mais rugas.

A solteira permanece no canto da foto, em todas elas sempre preferiu a direita. Talvez, sem querer, como símbolo de sua sentença, já se afasta dos retratos, indo encostar-se no canto. Os homens ficam ao centro, aqueles que se conhecem de longa data. E as pontas permanecem os fios que sempre são cortados. Relacionamentos das mulheres, casos dos maridos, pessoas que vão e vem. Mais fáceis de serem apagadas de uma fotografia estando nas encostas. Basta uma aproximação, um corte mais profundo e a foto parece nova sem aqueles elementos que, em breve, sabemos, serão suprimidos.

O que mais me incomoda em minha profissão, realizando retratos para famílias durante anos e anos é que tais imagens são espelhos da primeira. Tais personagens poderiam muito bem, se quisessem, tirar uma série de fotos em um mesmo dia, trocando apenas o figurino e os pentiados. E depois afirmando com vigor que cada uma delas correspondia a uma celebração diferente.

Os sorrisos trincados nos rostos, a mesma esperança doentia gravada naquelas retinas. Braços cruzados como alguém que não tem nada a perder. Mãos dadas abraçando espumas. A triste sentença de que o tempo nada transformou. Nada modificou. Nada amadureceu. Apenas trouxe rugas aos olhos e retalhos no coração.



Meus olhos são as lentes de vidro onde capturo imagens, nada mais. Lentes que nunca capturaram minha imagem. Quero morrer na ignorância do que deixar na eternidade a amargura de mais uma vida que não vive, apenas um reflexo de luz.

Um comentário:

  1. O final é uma citação a Machado de Assis... não é?

    Compartilho do mesmo gosto, um tanto quanto decadentista...

    Parabéns,
    abraços!

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