quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Coração

Até o momento, meus superiores não tinham conhecimento. Ou talvez não estavam sensíveis para entrelaçar os fatos. De modo que fui o encarregado daquela avaliação. Cinquenta minutos atrás, meu celular vibrara em cima da mesa com o nome de minha mãe pulsando na tela. Ela não sabia que eu já tinha conhecimento de tudo.

Evito comentários dos policiais antes de entrar na sala. Não é positivo para meu trabalho, nem mesmo de minha índole. A ficha criminal, com autorização para realizar o procedimento, me bastava.

Nunca perdi a parcela da sensação de parecer infimamente importante. Sempre que entro em uma sala de interrogatório, me lembro das películas que assisti. Talvez por saber que aquele a minha frente necessite de minha avaliação para ser sentenciado.

Não posso ser agressivo. Sou a ponte de contato sensível. Cabe a mim compreender porque este homem, caucasiano, trinta e cinco anos, solteiro, trajando roupas sociais, entrou em uma propriedade pública com um artefato caseiro ameaçando atear foto em todo o local.

É minha profissão ser capaz de observar os reflexos. Entender a motivação de atos desesperados. Ver além da profusão passível do populacho que deseja acabar com o homem que colocou em risco a vida de cinquenta pessoas.

O relatório me diz que a marca em seu rosto foi feita por um dos transeuntes locais. Motivo que me faz sair da sala e perguntar ao delegado se a constatação é verídica. Quase todos os dias há na delegacia indivíduos que chegam com leves marcas de escoriações. A resposta é sempre a mesma: realizada por alguém do local que, em um ato incontido, expressou sua raiva contra o meliante. Era necessário saber se até aquele momento ele tinha raiva também da polícia que defendia o sistema que ele tentou prejudicar.

Não estou nem do lado do bem. Nem do mal. Se há esse maniqueísmo. Tenho de ouvi-lo para constatar sua motivação. Se o ato foi premeditado, impulsivo, realizado por vozes invisíveis, outros jargões. Compreender motivos além dos olhos que talvez nem para ele seja perceptível.

Minha mãe assistiu a tudo. Sua voz em pânico invadira meu ouvido uma hora antes. Cerrando a raiva em uma das mãos eu tentava compreender. Histórico de remédios controlados, transtorno misto de paranoia e depressão. Seria fácil derrubar a mesa, quebra-lhe a cara, furioso por justiça. Mas não sou assim.

Se um homem entra em um prédio com uma bomba caseira composta de gasolina, devo afirmar que o ato foi premeditado. Quando, depois de subjulgado, ao vistoriarem sua mochila, descobrem mais sete dessas mesmas bombas, devo considerar o trabalho por trás desde esforço. Mas o histórico, maldito histórico de certa maneira, me obriga a declara-lo insano. A recomendar uma instituição, pois, seu encarceramento seria correto com meu desejo íntimo. Errado com a postura que acredito.

Não cabe a mim a terapia da cura. Apenas reconheço a loucura. Presto meu serviço para leva-lo adiante na esperança que um profissional se apiede de seu problema e tente introduzi-lo a condição fundamentada há tempos como normal. Clinicamente são, quero dizer.

Me repreenderam depois. Após a euforia da ocorrência, lembraram que minha mãe trabalhava no local. Mas a condição não invalidava meu processo. O delegado confirmou minha índole correta perante meu trabalho. Ele não gostava de mim. Mas não duvidava das minhas credenciais.


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Atravessei a cidade a procura da padaria que, ocasionalmente, minha mãe e eu costumávamos ir. Esperei que fogazzas saíssem do fogo. Escolhi a mais apetitosa. Era um componente infantil mas necessário.

Ao me ver, ela me abraçou. Retirou o pacote de minhas mãos com lágrimas nos olhos. O gesto tinha sido apreciado. A sensação de não se sentir vazia neste mundo.

Como há duas horas atrás, eu estava frente a uma pessoa combalida. Agredida pela invasão de um espaço até então sagrado. Tentei acalmá-la de maneira branda. Minha mãe, olhando nos meus olhos, disse que não sentia medo.

Retirei a fogazza da embalagem. Cortei um pedaço e entreguei a ela como se o conforto de sua vida dependesse de retirar nacos daquele alimento. Ela mentia de maneira doce para mim.

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