quinta-feira, 7 de julho de 2011

Ana

O cigarro me incomodava em Ana. A maneira obsessiva com que sorvia pedaços e pedaços de palitos de tabaco. O jeito de ressaltar o quanto gostava de trepar dando baforadas, sem se importar se custaria meu prazer ou seu pulmão.

Não é apelo moral aos bons costumes, foi minha mãe. Vivi a infância com o corpo fedendo a cigarro enquanto meus coleguinhas eram asseados a talco. Quando pude sair de casa, alugar um apartamento vagabundo que cheirava a mofo, mas ao menos livre da fumaça, eu já era conhecido por alguns amigos como O Esfumaçado.

A semi rigidez na cama se explica. Ela na posição preferida de Larry Flint enquanto rodas e rodas de fumaça saiam da boca. Ana, a locomotiva. Uma mulher que mal me compreendia, estendida em minha cama por ser aquilo que aparência nenhuma engana, dada com os homens.

Devo eu defender-me em uma filosofia para dizer que sou superior a isso. Há um tempo em que qualquer ser humano não tem nada a perder e, embora meu pai não tenha me ensinado isso, foi a lição mais sincera que recebi dele quando partiu de casa. Não para comprar cigarros, diga-se.

Não tenho recursos extravagantes na sedução feminina. Uma vez ou outra uma cai nas piadas patéticas e era essa a questão. Ana deveria perdoar minha verborragia e eu, supostamente, seus cigarros. Mas eu não pude me conter.

Parei de lhe pagar as contas, sabendo que ela fazia isso só pela birita, evitei as caronas e simulei não estar em casa no sábado passado. Poderia soar egoísta, eu não me importava.

Eu era um homem de princípios. Mas, aos vinte e sete anos, eu já estava pelos meios de qualquer tolerância.

Duas horas da manhã, o Clube está fechado, sem nenhum motivo aparente. Dou a volta, vejo a porta de serviço entreaberta e atravesso a escuridão. Joshua, o brasileiro mais brasileiro com nome de ingês, está arrumando o pardieiro.

“O que houve, aqui, homem?”, perguntei.

“Briga, fechei mais cedo. Eu tolero tudo, menos que quebrem meu pedaço com arruaça”.

“Tem lá sua razão. Hoje eu vim para beber, contigo pelo visto”

“Pegue o que quiser de dentro do balcão, por conta da casa”. Me lembrei de Ana, amiga por conveniência, senti-me mal. “A próxima rodada é minha, então”.

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