quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Um Ano

A tela plana da televisão refletiu seu semblante impaciente. Olhou novamente para o relógio, presente dela, e procurou algum objeto naquela sala que ainda não tivesse observado com atenção. Mas tudo, somente naquele momento, tinha sido observado, avaliado, catalogado por seus pensamentos enquanto a esperava.

No patamar superior da televisão, uma foto do casal apresentava-se como decoração central. Uma imagem que não lhe deu prazer em fotografar mas, pelo estado fervente de impaciência e teimosia dela, aceitou sem escolha.

Era uma imagem capturada em um estúdio, com toda artificialidade que tal feito pode produzir. Um fundo em tom pasteis dava a sensação etérea da cena. A manipulação resgatando o estilo de imagens antigas, em sépia, intentava ser nobre, mas o amarelado da foto lhe pareceu triste.

Encostados em um abraço programado, sorriam para a câmera, de maneira perfeita. Sem erros ou falhas, retirados após uma edição. Era uma cena repleta de falsidade pelo seu conjunto e, por ele, pela má vontade de produzi-la. Porém, o que mais lhe afligia era a moldura, feita de maneira, com dois traçados e com uma pequena placa de metal dourado que gravava as palavras Um Ano no centro inferior dela.

A somatória apresentada na moldura da foto lhe produziu engulhos. Foi até a cozinha pegar um copo d´agua e, na escuridão, apoiou-se na janela, refletindo. O totem exposto na sala era um incomodo, não um motivo de orgulho. Houve um momento – e sempre há, em todas as histórias – que a contagem diária dos números possuía algum sentido.

Hoje parecia somente uma corrente. Uma longa corrente de trezentos e sessenta e cinco elos presos em seu pescoço. Peso que lhe machucava imaginariamente as costas.

Nós últimos meses, Jorge mais brigara com Amanda do que alimentaram a chama do amor. Farpas penetravam em qualquer parte do corpo, por qualquer motivo. Uma desatenção após um dia cansado, uma informação compreendida de maneira errônea, ciúmes doente. Sensações que mais o deixam em um torvelinho de desespero de que paz. O que, supostamente, deveria ser um dos alicerces para a construção de um bom amor.

Não, pensou. O número de vezes que retornaram nem estava mais em suas memórias. Momentos em que ela deixava a caixa com seus pertences, e os presentes dado a ela, na frente de seu apartamento. Ligações para a mãe de Jorge, evidenciando como o filho era canalha. Brigas que terminavam em lágrimas e uma espécie de loucura que fazia com que ele, silenciosamente, desse um passo para trás, lentamente.

Um ano repleto de elos quebrados, pensou. Lá permanecendo de volta. Ao mesmo lugar que parecia aconchegante para seus olhos mas sem a sensação de um conforto verdadeiro. Após a última briga e a reconciliação marcada por esse jantar tudo parecia falso. Como o retrato que, novamente, voltou a observar.

Havia medo dentro das entranhas. De abandonar o que lhe era visível para um mergulho na escuridão. Mas novamente a força da imagem de mentira do retrato lhe causou tanta repulsa que não teve escolha. Aplicou o pensamento que, há certo tempo, estava escondido dentro de si.

Deixou as flores sobre a mesa, pois tinha escolhido especialmente para ela. E deixou o apartamento vazio para o amor que ela transformou em pedaços.

Nenhum comentário:

Postar um comentário