- Eu lembro vagamente de 1964, quando a ditadura no Brasil começou - começou pra se alongar por mais tempo que devia. Lembro vagamente.
Ele falava com o copo na mão, meio levantado entre a mesa e a boca, os olhos no teto relembrando seu passado histórico. Historiográfico.
- Em maio de 68 a França explodiu, frenesi elétrico que só não foi mais alucinado que Londres em 67, o verão do amor na terra inglesa. Quase na Terra toda. França e Inglaterra, você sabe, muito perto uma da outra pra que alguém possa dizer "ah, não deu pra ir".
Joana olhava, interessada, a história contada pelo velho.
- Houve outras coisas estranhas, marcantes, houve sim. Olimpíadas de verão, Munique, 1972. Aqueles atentados terroristas que viraram filme. E pra não sair da Alemanha, aquela belezinha de queda/derrubada do Muro de Berlim, 1989.
Um gole. Um "ah!" de satisfação, estalo na língua e na memória.
- 1991, Impeachment de Fernando Collor, Brasil, caras pintadas... Em 90 o Cazuza tinha partido. Pena, foi antes do Collor.
"E 2001?", alguém perguntou.
- As torres? Gêmeas, mortas, sim, 2001. Todo mundo sabe. Dava pra ver a merda vindo. E depois Afeganistão, Iraque, todas essas guerras bonitas dos anos 2000, da década de 10, tudo isso.
"E... e você estava lá, nesses lugares, em todos esses momentos?", dizia a voz curiosa e um tanto envergonhada da jovem sentada na mesa ao lado.
- Eu!? Ah, mas claro que não - e o velho ria - Não saio desta cidade deste 1952. Tenho uma perna que não me deixa subir escadas e uma fazenda pra cuidar. Além do mais, pra que eu deveria estar nesses lugares? Pitando fumo, quieto em casa, eu tenho a vida toda.
E acendeu seu velho cachimbo velho.
O velho contempla o tempo.
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