- Você já reparou no muro pra lá da janela, no banheiro aqui do Clube? Tem uma janela específica, em cima de um dos mictórios, e dela se vê um muro. Há qualquer coisa escrita em letra corrida, marcada, com tinta indignada. Um tipo de protesto, creio. É possível ler "nheiros, lutemos contra o Est.../ ento da dívid.../ der é nosso! Vamos, trabal.../ r um mundo nov..."
A cerveja esquentava.
- Não, nunca reparei. Que tem demais?
- Nada, na verdade. É que na frente desse muro há um caminhão estacionado. Estacionado pra sempre, rest in peace, porque a caçamba foi toda queimada e a cabine está derretida pela metade. Dá pra ver, através do parabrisa que não existe, o volante derretido, feito vela velha com a cera pendurada, estalactite de borracha. E os bancos, também, molas pulando através do couro rasgado, chamuscado. Carroceria enferrujada por sob a fuligem.
- E que tem?
- É que por mais importante que venha a ser a mensagem do muro, não consigo deixar de olhar o caminhão. Dá pra imaginar o quanto de histórias passaram nele? Aquele incêndio, a dor, a morte, a carga perdida, congestionamento, estradas manchadas de óleo vazado. Ou, de repente, só o fogo começando ali, num caminhão estacionado. Sem chance pra se defender.
- Ou o homem escrevendo no muro tacou fogo no caminhão que conduzia policiais que faziam campana pra prender qualquer um que escrevesse num muro na noite fria e escura de um tempo antigo, sabe como é.
- É. Sei.
- Há histórias por toda parte.
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