quarta-feira, 27 de junho de 2012

João

Durante muito tempo de minha vida acreditei que balas eram uma licença poética. Um recurso estilizado como um catalisador de uma mudança. Até ver aquela arma fria em minha frente e o homem de máscara. Quando ele foi embora que minha pressão baixou mas estranhamente eu tinha consciência de tudo. Eu de pé, João baleado.

Li em uma história em quadrinhos sobre um assassino pintor. Ou pintor assassino, escolham como preferirem. Dizia ele que nenhuma tinta tinha a beleza da coloração do sangue. Então matava para pintar suas telas. Mas nada é tão bonito quando seu melhor amigo tem um pedaço de metal que atravessou o braço. O sangue espirra, escorre. O que mais me marcou foi seus gritos de agonia. A saliva produzia bolhas enquanto ele desesperava.

Foi quando parei de sair de casa e de gostar de armas. Se via alguém assistindo um desses filmes de ação, não importa qual fosse, entrava em pânico. Vestia as roupas do carola e dava um sermão. Mas eu chorava por dentro. Lembrava de mim, João, do sangue, da agonia, dos minutos que pareceram horas até o socorro chegar e das horas que pareceram dias para prestar depomento na polícia.

Seis meses dentro de casa, que deixei até a barba crescer, quando meu estômago reijeitava violentamente qualquer comida pronta entrega da região, decidi sair. Fui na sacada de casa e olhei o mundo. Daqui não poderiam me atingir.

Chamei um taxi e ele me levou até o shopping. Na livraria, comprei todos os livros que meu dinheiro poderia obter sobre criminalística, crimes, assassinos, assassinatos, latrocínios e justificativas psicológicas que levam um ser humana a: primeiro, roubar. Segundo, atirar em alguém.

Então, lembrei-me de um antigo conhecido na polícia. Entrei em contato e lhe pedi uma arma. Não sei porque preferi um policial do que procurar uma arma no tráfico. Descobri, porém, que eu não queria um arma. Desejava apenas o confronto. E foi o que fizemos.

Coloquei a arma na mão e senti um conforto insuperável. Compreendi a potência da destruição e gostei. Tive prazer. Mais que com dinheiro. Mas que com mulheres. Aquilo era o tudo e o nada. Nirvana. O transcendentalismo.

Talvez eu quisesse uma arma para me matar. Quando mais novo eu tinha sonhos de me dar um tiro e sobreviver. E que no sangue que estampasse minha sala – talvez a tal pintura da história em quadrinhos – todos os meus pecados e minhas dores iriam embora juntos. E eu levantaria, nobre e triufante cuspindo pedaços do meu coração. Mas deixei os grandes atos para o/utros.

Hoje fico feliz quando consigo transitar um pouco. Sem ataques de pânico, pois, após dois meses, depois dos seis meses, deixei de tomar os remédios. Eram um dinheiro gasto a toa e que não me dava a compensação necessária para viver. Tudo tornava-se ameno demais.

Quando vou a padaria a duas quadras de casa. Caminho pela praça. Arrisco um passeio de taxi nas redondezas, me sinto feliz. É pouco mas é tudo que posso fazer. João está bem, sadio, aprendeu a se virar com a esquerda mesmo não sendo canhoteiro. 

Em algum lugar eu fiquei. Com a bala. Com o medo. Com o sangue no rosto. Paralisado.

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