quarta-feira, 20 de junho de 2012

Café Instantâneo


Nas quintas – feiras, e em nenhum outro dia, venho tomar café nessa padaria. Minha esposa está de folga, portanto, dorme até o almoço. Não me sinto motivado para preparar um desjejum para uma pessoa.

Quando chego, aguardo por volta de cinco minutos para que chegue essa mulher desconhecida. Acompanho-a com o olhar pelo vidro de fora e peço meu café somente quando ela também escolhe. Usa cabelos presos de uma maneira que, mesmo assim, eles caiam tanto na frente quanto atrás dos ombros.

Usa sempre azul. Pode ser sua cor favorita, a roupa tradicional de quinta – feira ou um sistema. Recomendação do horóscopo, da televisão ou de quem quer que seja. Sempre coloca a bolsa na cadeira da frente, fazendo-me deduzir que não espera ninguém, retira o casaco e senta. Uma postura ereta que destaca o alinhamento das costas.

A roupa sem mangas deixa o braço nu. Enquanto ela se movimenta para abrir o jornal na página desejada vejo seus músculos se mexerem. Ela é magra, mais baixa que minha estatura de um metro e oitenta, esguia. Não consigo não ter simpatia por essa mulher.

Apenas trocamos cordialidades. Digo Olá e recebo seu sorriso de volta. Dependendo do dia, é um misto de felicidade e angústia revelada em apenas um gesto. Pedimos nossos cafés e voltamos a contemplar nossos abismos. Deixaria minha vida naquelas mãos em um suspiro.

Sapatilhas vermelhas, jeans nivelado ao corpo e a blusa azul. Os cafés chegam ao mesmo tempo e desejo saúde a ela erguendo minha xícara para o alto. Ela me lembra alguém. Me lembra alguém que já esqueci. A moça do café me lembra de uma memória que parece trazer a tona um pensamento que não me recordo. Uma mensagem dentro de uma garrafa que precisa ser decifrada.

Ela me olha enquanto escrevo essa mensagem. Seus olhos parecem cúmplices do meu como se eu precisasse concordar com o café matinal todas as quintas – feiras. Sim, tudo está tranquilo. Foi um bom café.

Me apaixono por ela todas as quintas pela manhã e a tarde o mundo se equilibra novamente. Ela é apenas uma figura que por algumas horas deixa meu norte um pouco mais para o leste. E, então, na próxima quinta feira ela retorna. A mesma postura, a roupa azul, a cumplicidade de estranhos que tomam seu café em silêncio em uma das cidades mais movimentadas do país.  

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