Vlad andou pelas muralhas do castelo. Gotas de chuva fina molhavam a seda dourada exaustivamente costurada. O homem andava a passos largos e apressados, atravessando as fileiras de homens mortos sem perder um batimento cardíaco diante dos horrores ao redor. Do céu, a Lua derrama uma luz prateada sobre as árvores que se erguiam ao redor. Tentando acompanhar os passos de seu senhor, um soldado tentava segurar a repulsa do que via.
“Eles já estão prontos?” A voz de Vlad era profunda, rouca. Naquele momento, havia um tom de diversão e curiosidade quase infantil. Todos que escutaram aquelas palavras sentiram um dedo frio percorrendo a espinha.
Eles, pensou o soldado, evitando tropeçar nos corpos desmembrados que jaziam no caminho. Eles, simples assim? Qual demônio é capaz de atrocidades sem fim? Pudesse eu voltar para meus dias de criança e ficar longe dos horrores dos quais tive de tomar parte, seria um homem de sorte. Deus, ó Deus, ajude minha condenada alma a transcender, ajude-me, meu Senhor, a derrotar a sombra que caminha no dia. Ajude-me a enterrar minha lâmina justiceira no coração desta criatura maligna, Senhor. Dê-me forças quando o momento chegar. “Sim, Majestade. Estão… prontos”, respondeu firme.
Vlad sorriu em resposta e lambeu os lábios. Em sua cintura, uma adaga balançava ao ritmo dos passos apressados. Raramente um dia se passava sem que olhares gananciosos encarassem o enorme rubi encrustado no pomo da arma. Ele se divertia com o brilho no olhar de seus homens e havia prometido a pedra para aquele que conseguisse passar pela sua prontidão afiada e tocasse na jóia vermelha. Metade de sua tropa contava menos de dez dedos; alguns tentavam mais de uma vez tocar na pedra e contavam, igualmente, uma cabeça menos. Vlad respeitava a ganância: desgraçado é o homem que ignora um artefato como aquele, que traria riquezas para gerações incontáveis de sua família, mas desprezava a idiotice. Aqueles homens não tinham espaço em suas fileiras.
Atravessaram rapidamente o que restava da extensão da construção castelar e chegaram aos portões protegidos por grossas toras, todas fixadas por placas de metal e seguras por caldeirões de óleo quente, prontos para serem derramados sobre qualquer exército tolo o suficiente para cercar o temeroso Vlad.
Nas mediações, uma floresta começava abruptamente, cortando a clareira onde as fortificações foram levantadas com o sangue de escravos. Vlad olhou, satisfeito, para as centenas de cruzes que se espalhavam. Formavam uma floresta espetacular, todas os trocos cortados e trabalhados pelos homens, formando cruzes e estacas. Em cada árvore plantada por Vlad, um corpo pendia, pendurado pelos membros ou empalados até o começo da caixa torácica. Em uma das cruzes, um homem loiro pendia pregado pelas mãos e pés. Este era recém plantado, uma mudinha ainda. Chorava copiosamente, clamando por perdão e confesso arrependimento; mentiras, Vlad bem sabia, provocadas pelos seus métodos perspicazes para suprimir as idéias revoltosas dos camponeses que residiam em seu reino. Vlad, o Empalado. Usava o nome com orgulho e se esforçava para fazer jus a ele. Cunhara a fama através de atrocidades sem igual, formara uma imagem que era usada pelas mães na hora de assustar crianças. Pelos quatro cantos do mundo, o Empalador vagava pela escuridão, espalhando dor e miséria com o uso de poderes misteriosos e macabros.
O homem crucificado derramava lágrimas que corriam o rosto e se misturavam no sangue seco, encrustado no pescoço torturado. Conforme havia comandado, as tripas do homem haviam sido retiradas cuidadosamente por uma pequena incisão, evitando a morte quase imediata da vítima. Logo os corvos virão banquetear-se e o quadro poderá ser pintado.
Dois corpos para esquerda, Vlad encontrou uma mulher empalada cruelmente. Ainda gemia e uma poça de sangue se espalhava ao redor, juntado pedaços de ossos e fezes. “O que ela fez?”
O soldados olhou para a imagem viceral e sentiu o pão preto que comera há pouco escalar em sua garganta. “Adultério, Majestade.”
“Ótimo. Isso mandará uma mensagem para qualquer porca com pensamentos impuros. Corte a madeira na base e a exponha em todas as cidades por uma semana. Quero seus ossos de volta.”
“Sim, Majestade.”
O soldado deu um sutil sinal para outros dois homens e em questão de segundos a madeira estava sendo serrada. A mulher voltou a chorar pela dor provocada na vibração da madeira.
Andaram por mais alguns minutos, encontrando velhos, crianças, mulheres e estrangeiros submissos aos mais ardilosos tratamentos. Vlad parou novamente diante de uma criança amarrada em uma árvore. “Meu cálice”, estendeu a mão para o soldado e esperou pelo objeto. Sentiu o peso do ouro entre seus dedos e retirou a adaga de sua cintura. Os soldados sabiam o que viriam em seguida e buscaram entrar no estado de torpor mental que se tornara em lugar comum para qualquer um da guarda real, uma artimanha necessária para conservar a sanidade. Vlad, o Vampiro. Eis um novo nome para o Empalador. O Vampiro da Noite. O Homem que Bebia Sangue. Portando o cálice e a adaga, cujo rubi reluzia na luz da lua, Vlad surpreendeu os observadores e caminhou até o soldado que estava em seu serviço naquele momento, enterrando a lâmina profundamente em seu estômago. O homem sentiu um jorro quente partindo do ventre e olhou, confuso, para baixo, molhando os dedos no próprio sangue. Vlad encostou o cálice na cintura do soldado e deixou o líquido vermelho acumular. “Você acha que não entenderia suas intenções no olhar, cão? Seu corpo transbordava repulsa, seus movimentos transpiravam traição. Você não é melhor do que eles”, fez um arco com a mão que segurava a arma e indicou a floresta morta, “você agora será plantado em meu jardim.”
O soldado juntou o que lhe restava de forças e esticou uma das mãos, tocando na pedra preciosa da adaga. Perfeito, ele pensou pouco antes de mergulhar em um mundo escuro, agora eu sou rico.
A imagem congelou-se de repente.
Duas barras amarelas tomaram conta no canto da televisão, mostrando os dedos estáticos tocando a jóia, e Jorge se esticou para pegar mais pipoca e refrigerante.
“Fique vendo agora, Jorge, o cara vai ser crucificado, mas ele será resgatado e vai matar o Vlad! Quando você acha que ele morreu, bam! Ele vem e mata todos os cara maus. Cara, a cena final é espetacular, principalmente quando o Vlad acaba empalado e…”
“Porra, cara. Spoiler é maldade. Assim não, poxa. Isso é crueldade.”
HAHAHAHAHA!!!! Muito bom Mau. Eu já tava tendo uma síncope... Tava sem ar... Aí aparecem as barras amarelas no canto da televisão. Ah... que alívio...
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