Nessa semana temática, um autor convidado: Raphael Tarso.
Texto originalmente publicado em: http://tocadotarso.blogspot.com.br/
Uma noite eterna se arrastava enquanto da cama Alice olhava as estrelas imóveis na janela. Pensava sobre a vida, sobre a tinta do teto, sobre o som distante do mundo lá fora, enquanto, na parede oposta do abafado cômodo, Carlos a olhava com o carinho costumeiro. Ele era o motivo dela manter a sanidade nestes últimos anos, sua razão de viver, um ombro sempre disponível. Mesmo no escuro era possível ver seus traços generosos, bem definidos. Alice o encarava há alguns minutos em silêncio, admirando a pele bronzeada, os cabelos despenteados e jogados sobre o rosto, a boca entreaberta. Queria ir até ele e abraça-lo, dizer e demonstrar o quanto o amava. Foi quando sentiu em sua mão o anel dourado que anos atrás ganhara de Augusto. Sentiu o estômago embrulhar, não era remorso, tão pouco medo, já não sabia o que tanto lhe causava enjôos quando pensava no assunto. Carlos saiu das sombras e sentou na cama, era como se ele a acariciasse com seu sorriso.
- Você está linda como sempre. Precisa ser forte, as coisas vão melhorar, um dia ele irá entender. Se a ama irá entender.
- Duvido muito, ele é louco, disse que prefere que um de nós morra. Tenho medo de que seja eu...
Alice deseja sentir o abraço do homem ao seu lado, mas ele levanta da cama e senta em um cadeira próxima sem sequer toca-la. Ela nunca entendeu esta distância que ele mantinha. Sem beijos, abraços, toques, nada, apenas olhares, elogios e insinuações. Uma lágrima caiu sobre sua mão, não aceitava a situação.
- Por que não me abraça? Por que não me toca? Sabe o que sinto, sabe o que quero. Então por que?
- Da mesma forma você sabe que não podemos, que é impossível. - disse ele.
- Odeio essa situação, odeio tudo isso...
- Por mais linda que fique chorando, por favor, não chore, a vida é assim. Temos de nos virar da melhor maneira possível, porém há coisas que não podem ser mudadas, precisamos aceitar e seguir em frente.
Os olhos castanhos transbordavam, apertava o peito tentando fazer a dor passar. Inútil. Ela mordeu o lábio e lembrou quando viu Augusto pela primeira vez, um homem forte, alto, muito bonito, extremamente educado e sedutor. Maldito mentiroso, descobriu. Virou o rosto para Carlos. Os dois se olharam, se aproximaram e, então, ouviram passos rápidos vindo do corredor logo antes da porta se abrir com um estrondo.
- Meu amor! - disse um homem entrando pela porta, sem obter resposta. - Seu silêncio me dói, sabe disso, por favor, fale comigo. Até quando irá continuar com isso, Alice? Trago flores, meu amor, faço tudo para que seja feliz e não recebo nem uma palavra, acha justo?
- ...
- Que seja. Trouxe comida, vou deixar aqui, está quente. Sabe, hoje tenho ótimas notícias, arquivaram seu caso, não precisamos mais nos preocupar com nada, somos livres para viver, amor.
Incrédula fixou os olhos vidrados nele, as lágrimas caiam copiosamente.
- Não chore, meu anjo. É o que sempre sonhamos, não?
Alice não sabia sequer o que pensar, um turbilhão de vozes, imagens e sensações congestionava seus pensamentos, sentiu que ia desmaiar. Abaixou a cabeça entre as pernas até a luz voltar ao seu mundo.
- Está tudo bem, amor? A notícia foi repentina eu sei, desculpe por não prepara-la. Farei assim, amanhã irei trocar o quadro da janela! Que tal um dia ensolarado? Já deve estar cansada das estrelas! - riu.
Ela não respondia, mal ouvia a voz de Augusto, tudo parecia leve, fantasmagórico. Ele falou algo mais, entretanto só viu a boca do homem se mexendo, não havia qualquer som, só um zumbido forte e agudo. Quando o mundo parou de girar ele já estava na porta.
- ... certo? Não quero fazer isso, mas não é normal. Então pare de agir como se houvesse alguém aqui com você, parece uma louca e isso não me agrada, amor. Vou providenciar móveis novos, pintar as paredes, também quero pensar em um modo para que não precise das correntes. Seus pais podem ter desistido de você, mas eu não. Até amanhã. Tome o remédio, este porão as vezes é úmido.
E fechou a porta.
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