Mais uma manhã comum, de uma
quarta feira comum, de uma reunião semanal costumeira para balanço da semana
anterior e eventuais análises de casos problemáticos na empresa.
Eram seis, em uma mesa circular,
com seus cafés recém saídos da máquina de expresso e os rostos ainda
projetados no breve adormecer da noite anterior. Mesmo que todos, com a exceção do chefe, tentassem esconder a sonolência com maquiagem ou roupas
alinhadas.
Ainda atrelada aos seus
pensamentos, Camila fitava o rosto do chefe sem discernir ao certo suas
palavras, pronunciadas em uma cadência longa e em tom baixo que mais
relaxava-a, aproximando-se da vontade de apoiar os braços e a cabeça ali mesmo
na mesa, do que lhe despertava. Levantou-se para retirar mais uma xícara de
café da máquina.
O barulho dos grãos sendo moídos
pelo processador incomodaram o chefe que interrompeu a fala fazendo a mulher
enrubescer. Ela lhe deu um sorriso com todos os dentes, como quem pede
desculpa, e voltou para a mesa. Quando seu despertar aconteceu.
Sentada na cadeira ao seu lado,
Luciana, sua colega, apoiou-se em uma das mãos, direcionando a cabeça para o
chefe. Seu punho direito, até então escondido pela manga cumprida, se revelou. Fazendo
os olhos de Camila brilharem.
Era feito de metal em entalhes dourados e prateados. Aro pequeno, delicado, que a fez lembrar doces de confeitaria que, além de saborosos, são um deleite aos olhos. Mas o que lhe deu um arrepio em todo corpo foi o nome estampado no centro do marcador.
Era o relógio que Camila desejava há meses mas que não podia comprar por causa da dívida sempre infinda dos
cartões de créditos. E lá estava ele, brilhante, admirável, lindo, no pulso de
outra mulher que não ela.
Cada movimento de Luciana era acompanhado pelos olhos ternos de Camila. Estava apaixonada.
Durante tanto tempo havia desejado o relógio, mas pela primeira vez o via a
olhos nus e ele se revelava mais do que perfeito do que as imagens que via nas
revistas ou nas lojas virtuais.
O tempo se arrastou na hora
seguinte e Camila pouco prestou atenção na reunião. Pensava na mudança que sua
vida teria ao tê-lo em seu pulso, via-se ganhando uma promoção, escolhendo
roupas que combinassem com o adorno mas, ao voltar a realidade, sabia que ainda
não seria aquele mês que poderia arriscar uma prestação a longo prazo.
Quando a reunião acabou, ela olhou para o relógio da colega como se despedisse de uma paixão platônica. Deu um longo suspiro e, ao olhar em seus pulsos, riu ao ver apenas uma
fita vermelha presa em um deles.
Aproveitou a hora do almoço para
descer ao centro da cidade. Olhou as lojas de roupas como de costume e, em uma
relojoaria, se encantou com o mesmo relógio visto anteriormente. Ali, com o
reflexo do vidro, parecia mais pálido. Se eu tivesse dinheiro, pensou.
Ao retornar para o trabalho,
parou na banca de camelô que visitava quase todos os dias. Ocupava uma longa
parede de uma loja desativada e a variedade vasta ia desde filmes piratas, bijouterias,
até óculos de sol e relógios de grandes marcas a preços módicos que o vendedor
garantia a originalidade.
E ali o viu. Entre outras
marcas, sua pulseira de metal em prata e dourado, aro pequeno como um doce bem confeitado. Parecia tão real, idêntico ao que ela viu no
pulso da colega que, quando percebeu, já estava com ele nas mãos, posando para
um pequeno espelho que o vendedor tinha na loja improvisada. Resolveu leva-lo
por trinta e cinco reais.
Colocou-o no pulso como se trajasse
uma das joias da rainha, nunca pareceu tão altiva no trabalho, nunca tão
carinhosa em saudar a todos erguendo a mão para um rápido aceno. Desejava que
todos observassem a nova conquista.
Mas Camila ainda sentia-se entristecida. Estava com o relógio há quatro horas e tudo estava igual. Ninguém lhe perguntara a respeito. No fim do expediente, o chefe, despedindo-se, perguntou sobre o adorno.
Sentiu outro arrepio
com a mesma intensidade daquela da manhã. Era o momento de mostrar ao chefe o requinte, beleza, e de como ela, elegante, merecia muito mais na empresa.
- É muito bonito sim – lhe disse
– mas a Luciana não tem um igual?
Foi por pouco, mas seu sorriso
quase se desfez.
- Tem sim, mas – e aproximou-se
brevemente dele, diminuindo a voz – o dela é falso, desses
comprados em camelô. - o chefe assentiu, lhe deu aceno e foi caminhando para o
estacionamento.
Ela sabia que havia contado uma
mentira. Mas era uma mentira tão pequena que não significava nada. Não haveria de significar. Foi Luciana
que se atreveu a comprar o relógio antes dela. Essa era a verdade. E, pensava,
aquela sonsa bem que mereceu.
14 de Maio de 2013
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