Estavam cegos pela Bruma. Seguiam em linha reta para evitar sair da estreita trilha, pouco mais que uma pequena depressão apagada em seus piores trechos, quase tocando um no outro. Podiam ouvir os passos arrastados nas gramas e o suave movimento do vôo baixo de John. Nos dias que seguira à travessia da ponte, Robert liderava o grupo em uma interminável andança pelo Bosque. Tudo seguia normalmente. Eles sabiam que havia algo perigoso no meio das Brumas - o Homem das Brumas - e que precisavam encontrar o Farol o quanto antes, mas eram obrigado a caminhar lentamente, cautelosos para não tropeçar no acidentes que pontilhavam a trilha. Paul tentava entender a situação o melhor que podia, mas as informações acumulavam em sua cabeça. Havia o perigo latente da entidade que permanecia dentro da Bruma, sem mencionar as bestas que passavam por eles há apenas alguns passos, felizmente cegas pelo grosso nevoeiro que a todos cercava. Pelos céus, essa maldita Bruma está viva. Tudo nesse maldito lugar está vivo e quer nos devorar! Maldição! Maldição! Tudo estará bem, desde que fiquemos no nosso caminho para o Farol. E realizar algum grande feito. Chegar até o Farol era apenas uma parte problemática daquela complicada equação, o garoto sabia. Enquanto os outros andavam, de certa forma confiantes de estarem no caminho correto, Paul remoía constantemente os acontecimentos em sua cabeça. O velho da ponte, a orquídea venenosa, a mosca gigantesca e a mensagem no corpo do coelho… Conte-me mais sobre essa tal de Alice e seu coelho, ele pensou com um sorriso irônico estampado no rosto.
“Parem!” Robert disse de forma cortante e todos congelaram os passos. John se jogou no chão e permaneceu em silêncio. “Uma encruzilhada.”
Paul olhou para a trilha e viu apenas o cinza da Bruma penetrado em sua visão. Maldita coisa. “Uma encruzilhada?”
“Sim,” ele respondeu. “O velho nos disse para seguir a trilha, não havia nada sobre uma encruzilhada.”
Após andar alguns passos e ultrapassar Robert, Paul olhou para a bifurcação alguns metros dele. A trilha estava cortada por um pequeno monte de terra e grama, suavemente a separando em dois caminhos distintos. “John? O que você consegue ver?”
O Corvo bateu as asas prontamente e desapareceu no céu sem vida que os cobria. Tudo era Bruma. Mesmo acima, o manto cinza tornava impossível distinguir a continuação dos dois caminhos. John desceu até o ombro de Paul e negou com movimentos rápidos de sua cabeça de pássaro. Não, camaradas, me desculpem.
“Podemos nos dividir”, Paul sugeriu, arrependido no momento em que a última palavra saiu de sua boca. Não… dividir o grupo não podia ser uma boa idéia.
“É a única saída, se precisamos alcançar o Farol.” Olhando para uma das trilhas, Robert mantinha ao menos uma das mãos em sua arma. Jimmy adiantou-se e colocou sua mão, etérea, no ombro do samurai, alarmado com a idéia que escolhiam. Devemos continuar juntos, ele disse na mente de Robert - a voz fazia seu cérebro coçar, uma sensação terrível -, separados apenas ajudaríamos o Homem da Bruma. Além disso, precisamos do Guia e não tenho a mínima idéia de como encontrá-lo. Eu preciso encontrá-lo, Robert. Tenho de trazer o Guia para a Bruma. Mas como? A Jimmy cabia o papel de encontrar o Guia em um caminho onde não podia encontrar a si mesmo. Os garotos sentiam que a Bruma penetrava em seus pensamentos e raciocinar se tornava cada vez mais difícil.
Estavam em um impasse. “Bem”, Paul disse depois de alguns minutos de indecisão. “O que podemos fazer é escolher com base na chance de sucesso.” Inconscientemente sua mão se movimentou, como se estivesse lançando dados. Gostava de ler sobre RPG e sonhava em ter amigos para poder participar daquele jogo misterioso. Conhecia todos os modelos e suas regras, tinha histórias inteiras escritas e esquecidas em uma gaveta, envelhecendo ser qualquer chance de ser mostrada ao mundo; magia que perdia sua cor conforme ele se apaixonava pelo mundo do conhecimento e deixava para trás os dragões e os magos. Pelo menos até ser jogado no meio da loucura em que se encontrava. Não havia jeito, fora metaforicamente abocanhado pelo Dragão. Portanto, lançaria os dados. Naquele momento, Paul pensava como líder, considerando a situação em um quadro maior. “Nosso objetivo é encontrar o Farol e o que estiver em seu topo. Se nos dividirmos, ficaremos mais vulneráveis. Ou podemos arriscar um dos lados e teremos uma chance de 50% de acerto. Acho que ainda assim é melhor seguirmos juntos. Metade é mais do que… bom, nada, considerando onde estamos.” E que morreríamos miseravelmente sem sua espada, Robert, completou em sua cabeça. Jimmy o encarou - o rosto sem face, impassível e ainda assim intenso - como se pudesse ler seus pensamentos e compartilhasse da mesma opinião.
Um barulho, quase um grunhido grave, surgiu da direita e praticamente decidiu o que fariam em seguida. Os quatro garotos pegaram a trilha da esquerda e correram, tentando se afastar dos sons ameaçadores que pareciam se aproximar. A trilha continuou por alguns minutos de corrida até chegar em outra bifurcação, onde eles escolheram novamente a esquerda. Depois de mais algumas centenas de metros, a trilha se dividia mais uma vez e eles escolheram, sem pensar, a direita. Enquanto corriam em linha reta, seguindo por curvas aleatórias, Paul lutava contra os músculos fracos e o suor que ardia em seus olhos. Sentia um deseepero crescendo no peito, ameaçando paralisar as pernas que ardiam como se alguém tivesse espetado uma grossa barra de ferro quente. Foi quando notou algo na bifurcação que se aproximavam. Agiu rápido e gritou para que seguissem na esquerda e alguns metros depois, lançou para o chão uma das barras de alcaçuz que tinha no bolso do uniforme rasgado. Se estivesse correto…
Eles escutavam passos pesados em perseguição, acompanhados por uma respiração longa, calma e assustadora. Robert sentia uma energia maligna exalando da criatura que os caçava e John grasnava repetidas vezes.
Sem surpresas outra bifurcação surgiu pela trilha que seguiam, dividindo-se em dois: esquerda e direita. A Bruma engolia as duas opções e eles não podiam enxergar mais do que alguns centímetros. “Esquerda”, Paul repetiu, entre golfadas de ar. Eles escolheram a direção indicada e depois de poucos metros, ele parou e apoiou as mãos nos joelhos, fazendo com que todos interrompessem a corrida. “Olhem”, apontou com um dedo trêmulo para o doce deixado por ele mesmo. “Estamos presos em um caminho que se repete… um loop, acho que é isso que eles chamam.”
De um lado, um caminho confuso e traiçoeiro, de onde nunca conseguiriam sair; do outro, provavelmente o horror do qual todos os outros monstros fugiam.
Jimmy sabia que era preciso agir. Tinha que confiar em seu instinto… e no Corvo. Agarrou John com uma das mãos e alcançou pelas Terras Distantes, onde encontraria o Guia.
Robert sacou de sua espada e esperou pelo monstro da Bruma. Não havia escolha; estavam presos em um labirinto com o Minotauro. Caíram na armadilha da névoa que os envolvia, mesmo depois de todos os sinais de perigo e avisos dos estranhos que encontraram no caminho… eles precisava proteger seus amigos, precisava relaxar e viver o momento. Estava pronto para o embate. Respirou profundamente, inalando e exalando com calma. Prestou atenção no ar que entrava pelas suas narinas. Aprendera na escola que o ar era levado para todo seu corpo pelos glóbulos vermelhos. Imaginou milhares de pequenas bolas de oxigênio sendo levado para todos os seus órgãos. Respirou e deixou para trás o passado, onde ele deveria permanecer. Respirou novamente e não mais havia o futuro. Mais duas vezes e o resto do grupo estava em algum lugar distante de sua mente, enterrados pela tensão do momento. Vivia pelo momento. Em suas mãos, o pincel. Cada corte é único e ficará eternamente gravado para que todos possam ver. Eu preciso pintar minha obra-prima.
Das sombras cinzenta da Bruma, surgiu a maior ameaça que vivia nos labirintos da névoa que tomava todo o Bosque.
Viva pelo momento. Robert não esperou e disparou o primeiro corte contra o terror da Bruma.
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Meu nome é Jonhatan Raymond e vivo em um mundo que não é meu. Pertenço ao submundo de Londres, onde posso conquistar o dinheiro que coloca pão na mesa de minha casa, vivendo uma mentira televisiva todas as manhãs, dormindo com uma mulher que é a esposa de outro. De um homem que teve a realidade arrancada por minhas próprias mãos. Agora vivo sua vida. Sou um substituto. E logo eles me pegarão. Neste ou em qualquer outro mundo. É o que acontece, sabe? Eles chegam com aqueles carros enormes e negros, disparando primeiro e perguntando depois. A cavalaria da metafísica, perseguindo e eliminando os elementos que estão onde não deveriam existir. Eu sou o alvo. Eu sou a variável e preciso ser apagado.
Mas eles terão que me pegar primeiro. E, por Deus, eu vou lutar com unhas e dentes antes de me entregar.
Eu vivo uma mentira, mas o doce toque da mulher em minha cama, o calor de sua carne, é real.
Meu nome não é Jonhatan Raymond. Essa é a minha máscara. Meu nome é Chandler D. Humphring. Ou eu achava que era.
No momento em que você e puxado para a neblina, e é aqui que minha historia começa, seu nome deixa de ser uma palavra conhecida e passa a ser um segredo.
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