Um solo de bateria ecoava pelo restaurante. O som dos
tambores, bumbos e pratos se mesclavam nas conversas paralelas de dezenas de
pessoas, talheres batendo contra pratos de porcelana e do irritante som de
crianças chorando ou correndo entre as mesas. Silêncio, no entanto, reinava na
mesa para dois perto da parede esquerda, um pouco à direita dos banheiros.
Fotos e quadros decoravam a parede azul. A mesa de madeira barata estava
coberta por um pano vermelho. Sobre ele, uma taça com vinho branco acompanhava
uma garrafa de cerveja pela metade e dois pratos igualmente consumidos parcialmente.
“Esse solo de
bateria é a coisa mais deslocada que já vi”, ela finalmente quebrava o
silêncio. “Cada batida no prato faz um reboliço no meu estomago. Desculpe-me se
você acabar com salmão e molho de maracujá na sua camisa; a culpa será da
bateria”, um sorriso amarelo cresceu no lindo rosto da mulher. Ela exibia, com
descarado orgulho, o profundo decote do vestido vermelho e uma perna macia,
libertada pelo recorte ousado; tinha os cabelos dourados ajeitados em um coque:
perfeita sintonia com o rosto quadrado, bem desenhado. Curvas fartas
contornavam a silhueta luxuriosa da mulher, sentada com graça simulada,
gritando por atenção com cada centímetro exposto de seu corpo. Ele então
percebeu que cada movimento parecia ensaiado. Quantas horas ela treinou tal postura e com quantos homens? Até o modo como ela segura a taça me parece
falso, pensou.
“Posso pedir para
eles trocarem a música para você.” Olhou para baixo e limpou as cascas de pão
espalhadas pelo terno, depois passou a mão pelos cabelos curtos e ficou
indeciso sobre o que fazer com elas em seguida. Por fim, segurou a garrafa de
cerveja com ambas as mãos em um aperto firme, mas não bebeu.
“Não precisa”, ela
retorquiu. “Estava puxando assunto. Você está muito quieto, normalmente as
pessoas falam pelos cotovelos duranto os encontros, principalmente no primeiro.”
“Me desculpe.
Estava pensando no sentindo disso tudo.”
“Disso tudo? Do que
você está falando?”
“Disso, oras. De
estarmos aqui, pagando mais que o triplo do custo real de nossa comida, jogando
conversa desnecessária como uma desculpa para termos sexo, sorrindo das
banalidades de outras pessoas, se perguntando quando é que vamos embora desse
tédio e trepar até o mundo explodir.”
“Não precisa ser
grosso. Se continuar com isso vou pegar minhas coisas e...”
“Você sabe que não
quero isso. Você não quer isso, bem
sei. Ambos desejamos a noitada que segue essas horas de restaurantes caros,
decorados com quadros de saxofonistas obscuros e fotos de lugares exóticos. O
que quero dizer é que temos que seguir esse ritual centenário apenas para uma
noite vazia de significados, onde há grandes possibilidades de termos
sentimentos feridos ou qualquer coisa desse mesmo baralho. Pense, você está
realmente vivendo esse momento? Sua pose parece forçada e desconfortável, sua
linguagem corporal vende intenções libidinosas... quanto tempo você ficou
preparando o cabelo? Uma, duas horas?”
“Quarenta minutos”,
qualquer sorriso, por mais amarelo e vazio de felicidade que fosse, estava
agora morto, provavelmente enterrado há mais de sete palmos pelo resto do
encontro.
“A verdadeira
conexão entre nós poderia estar acontecendo agora, nessa mesa. Sobre quantos
assuntos poderíamos conversar? Interesses que dividimos, lugares em que
gostaríamos de passear em uma tarde de domingo, de mãos dadas com um bom livro
nas mãos... Qualquer coisa! Mas ficamos presos em tópicos inócuos, esquivando
de diálogos que poderiam expor quem realmente somos. Isso não é viver o
momento. No máximo, antecipamos prazeres e os equiparamos com o pesar dessas
horas perdidas em uma refeição sem sabor. Se valer a pena, se o sexo for bom,
repetimos na próxima semana e na outra que seguirá... até quando? Até que ponto
podemos calar nosso orgulho? Até onde...”
“Você tem razão”, a
voz dela rasgou com ferocidade o chauvinismo que vinha do outro lado da mesa.
Apontou com o queixo para uma foto de Miles Davis tocando com John Coltrane. Os
dois homens estavam com os olhos fechados, dedos formando notas e rostos em
perfeita paz. Ou em pacífica perfeição, ela não tinha certeza. “Eles estavam
vivendo o momento para você? Ou estaria um deles preocupado com o que o outro
poderia achar das falhas de personalidade ou do conhecimento superficial que
ele poderia ter em qualquer outro campo? Sim, eu amo sexo, amo o suficiente
para não jogar o vinho da minha taça nessa sua cara de porco. Vestir algo mais
ousado e me preocupar em ficar especialmente bonita para você não faz de mim
uma prostituta barata ou um estereótipo dos livros do John Grisham. Pensar
nisso faz de você um babaca.”
Num ímpeto sincronizado,
ambos pularam sobre a mesa e começaram a se beijar explicitamente. Línguas
encontraram pescoços; unhas e costas se cumprimentaram. As mãos do homem
percorreram a perna esquerda, exibida pelo desenho do vestido vermelho, até
encontrar aquilo que procurava. Em poucos segundos os seios macios da loira
estavam livres de qualquer tecido, pincelados por mamilos duros e sedentos. Os
outros clientes do restaurante protestavam em conjunto, alguns puxavam a perna
do homem, tentando derrubá-lo da mesa.
“Garçom significa
‘menino’”, ele sussurrou enquanto abaixava o zíper de sua calça.
Ela piscou, perdida
por alguns momentos. “O que você disse?”
“No filme, ela fala
que garçom, em francês, quer dizer ‘menino’. Você estava me escutando?”
“Me distrai um
pouco, desculpe. Estava pensando no que aqueles dois poderiam estar
conversando.” Ela indicou o casal, duas mesas distantes. Uma mulher com vestido
vermelho e um cara qualquer com terno barato conversavam animados, ele
constatou.
Enquanto ele falava
incessantemente sobre filmes e jogos de computador, ela tentava não demonstrar
tédio. Ela batucava com dedos ágeis na madeira da mesa, acompanhado o solo de
bateria que persistia em continuar. Olhava para a bela fotografia de Miles
Davis.
Por fim, escolheu
outra mesa e começou a formular diálogos em sua cabeça.
Maravilhoso! Muito bem bolado...adoro seus contos pelo fato, tambem, de possuirem uma otima qualidade. Parabens cabecao! Meliza
ResponderExcluirMuito legal o tema de hj. Vc consegue captar a essência "do momento" com graciosidade, riqueza de detalhes e uma narrativa envolvente, de maneira única. Sou sua fã numero um. Super beijo. Ana Eliza.
ResponderExcluirTambém gostei.
ResponderExcluir:)