Cardoso acorda tarde. Sempre está ansioso. No calendário fixo na parede, um círculo marca o dia de hoje como um evento especial. "Finalmente", diz. Tira a guitarra do case, faz alguns acordes aleatórios, ouve a afinação e executa um pequeno ensaio. Confere se no compartimento de acessório há, ao menos, um encordoamento novo.
Tem vaidade para escolher a melhor roupa. Um novo jeans, a velha jaqueta de couro, presente de uma mulher que não mais se lembra, e os óculos de sol. A tática que, além do estilo, evita que as luzes venham direto aos seus olhos e, de quebra, permite olhar com mais facilidade para todas as garotas, sem promover rivalidade.
A banda sempre vai junto ao show. Embora um tanto quanto velhos, não perderam a vibração jovial. Vão em um carro, dirigido por Santoro, o baterista, e os instrumentos seguem em uma velha van, resquícios da fase hippie, dirigida por Aline, uma senhora de quarenta anos que ainda acha que é uma gruppie sexy de vinte.
Quando Os Incólumes adentram o Clube, Joshua perceptivelmente faz sua tradicional cara de espanto. Uma expressão que significa, mais ou menos, que diabos esses filhos da puta estão fazendo aqui? Cardoso se aproxima do balcão e ergue as sobrancelhas, como um cumprimento silencioso.
No mesmo silêncio, Joshua ergue a mão para a placa feita de letras pretas no lado direito do Clube. "Hoje: Velha Guarda Costeira. Amanhã: Os Incólumes". E ergue os braços como quem afirma não ter nada com isso. A decepção no rosto da banda é tão visível, que, com um sinal, Joana aproxima-se dos rapazes com latas de cerveja na mão.
Mas Cardoso deu as costas dessa vez. A van parava ao lado do Clube quando ele gesticulou dizendo para voltar. Seria mais uma noite de decepção aguardando um espetáculo que, como sempre, era adiado para amanhã. O restante da banda acompanhou Cardoso no sereno noturno fora do Clube. Estavam desolados mas dois deles não negaram a bebida de Joana.
Duas horas depois Cardoso estava em casa e guardava o case da guitarra estrategicamente na parte de cima do guarda roupa. Antes de dormir, foi para o calendário e fez um circulo no dia seguinte. Amanhã, finalmente, pensou. E deitou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário