"Você não se incomoda?"
O ar agitado do lado de fora ecoava na mente cansada de Carlos.
- Oi?
"Você. Não se incomoda que te achem arrogante?"
O blues que rolava na jukebox hoje era ao vivo, no palquinho. Carlos olhava mais para dentro do que para as luzes embaralhando os bluesmen, mas olhava pra lá também. O som contagiava o ar pesado daquela mesa.
- Você me acha arrogante?
Ela ficou em silêncio. Ele, sinceramente, não sabia se ela ficara em silêncio ou se o mundo ficara em silêncio. Ele não sabia muita coisa, no momento. Só o violão tocando ao fundo, velho do Texas, uma cerveja gelada e a cabeça cansada de trabalhar por três dias, sem pausas, sem sono. Perguntou de novo.
- Você me acha arrogante?
Percebeu que a senhora da mesa ao lado olhava assustada. Não, não era assustada. Ela estava com uma cara de estranhamento, isso sim, sempre que Carlos falava. Não sabia o motivo.
"Sim", foi o que ela disse. Carlos adormeceu brevemente após a resposta, ouvindo o violão cantar sobre uma terra cansada que nem ele, no momento.
Foi coisa de um piscar de olhos, supôs, mas quando os abriu não havia mais mulher na mesa. A velhinha do lado não olhava mais para ele, talvez porque agora estivesse quieto. Viu que sua garrafa, cheia até a metade, era a única coisa sobre a mesa. Nem taça de vinho, nem cinzeiro manchado a cigarro e batom.
Ouvindo a cadência do violão, não sabia mais se alguma mulher estivera com ele antes de dormir. Não quis perguntar à velhinha. Depois do cochilo, sua cabeça estava bem mais leve. Grande merda, ser arrogante.
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