Gaia pisou pela primeira vez em uma cidade. A deusa,
existente antes do próprio Tempo, evitava o ambiente urbano, preferindo as
profundezas inacessíveis dos oceanos, dormindo profundamente ao lado do Deus
Polvo, cujo único olhar poderia causar a loucura nos humanos. Humanos são
criaturas engraçadas, ela pensava, mentes fracas que se quebram pelos mais
fúteis motivos. Um único deitar de olhos em algo que não podiam entender e cuco, lá se vai a sanidade e eles
gritavam loucuras e jogavam fezes em pessoas ao redor. Às vezes se perguntava
até onde valia a pena acordar e se movimentar por eles. Sair do fundo da
profundidade abissal podia ser cansativo algumas vezes. Gaia, no entanto,
importava-se com as criaturas que viviam em sua crosta. Todas as criaturas, não importa quão estúpidas.
Ah sim, os humanos eram
estúpidos, tinha certeza a divindade: única espécie capaz de artificialmente
acabar com a própria existência, em mais de uma maneira. Um simples conjunto de
botões apertados e o relógio do fim-do-mundo alcança a fatídica marca de
meia-noite. Todas as culturas, todo o conhecimento acumulado, as maravilhas da
ciência... tudo por nada. Tudo, aliás, usado para o auto-genocídio. Auto-genocídio, pensou com o gigantesco
cérebro - cujas sinápses espalhavam-se pela flora e fauna de todo o planeta -
um conceito engraçado. Estúpidos.
Criaturas sem qualquer tipo de entendimento real sobre a vida e sobre o lugar
em que ocupam, exaurindo sistematicamente qualquer ponto em que se estabelecem,
envenando os rios, massacrando o que era verde e deixando para trás o cinza
tóxico; matando seus iguais, arrancando as peles dos animais para fazer roupas
que consideravam agradáveis aos olhos, tirando o balanço da vida. Criaturinhas
infames que precisavam de um relógio para contar o próprio fim.
O ar poluído da
cidade a deixava irritada. A chuva que caia sobre seus galhos e folhas era
ácida; a cacofonia absurda que saía dos carros ao seu redor perturbava as
células hipersensíveis das flores e ervas que constituíam seus ouvidos. Gaia
deixava um rastro por onde passava, seus pés criavam a vida onde tocava, bela e
única, cada passa um desenvolvimento singular de vida. Vida, que logo
desaparecia quando tocada pelos venenos da vida humana.
Criaturas absurdas!
Gaia evitou pensar
nos recipientes que tomavam conta dos oceanos, despreocupadamente despejados
nas águas gélidas das praias, matando peixes e corais, prendendo caramujos e
caracóis em seu interior, condenando-os à morte. Ao menos quinze espécies por
eles jamais documentadas estavam para sempre perdidas. Evitou pensar no uso
incorreto dos materiais mais complexos, que eles chamavam de urânio, e nos casos
em que se matavam sem pensar duas vezes. Na miséria de alguns espécimes, na
estúpida ignorância que usavam para cercar seus pensamentos, vivendo assim em
uma falsa felicidade. Insustentáveis, incoerentes... valeria a pena salvá-los?
A deusa achava que
sim.
Ela chegou em um
prédio, alto e isolado do resto da cidade. Seus dedos, um emaranhado milenar de
raízes e restos de pequenos mamíferos, encostaram no espaço entre os olhos da
criatura. Você é meu escolhido, fez
os ouvidos simplórios escutar, passe adiante
as minhas palavras e salve a espécie, ó escolhido. Essas imagens que agora vê
são o futuro para o qual o mundo caminha, mas há esperança. Nos momentos de
maior desespero, quanto até mesmo os deuses abandonaram o campo de batalha e as
Valkírias guiam os escolhidos, há esperança. É agora o seu papel fazê-los
enxergar e preparar para o Cataclisma. Entenda a importância, espalhe as visões
que agora dou-te livremente, mudando assim o rumo daquilo que já está escrito e
para sempre esteve. Vá, divulgue meus segredos; viva!
Estava satisfeita.
Seu trabalho estava feito. Tirou o dedo da testa do gato e confiou que ele
cumpriria seu papel. Gaia dissolveu-se em uma espiral de terra, areia, folhas,
animais e água, deixando para trás um caminho mais seguro para o humanos.
O gato parou de
lamber sua pata dianteira e olhou para onde a antiga deusa permanecia momentos
antes. Entendia, contrariando qualquer lógica racional, o que havia visto.
Precisava agir, naquele mesmo instante.
Percorreu os
telhados da cidade, pulando entre telhas e andares, compreendendo melhor a
física do mundo do que o mais brilhante dos humanos. Movimentos precisos,
cálculos complexos feitos com naturalidade. O gato pulou, correu, escorregou e
miou, convocando todos aqueles que entendiam seus sons para uma assembléia,
como uma que nunca aconteceu antes.
Caros irmãos, miou alto, para
que todos pudessem ouvir. Todos os felinos da cidade estavam reunidos no enorme
parque e miados abafados repediam o que ele acabara de dizer. A Grade Deusa prestou-me uma visita e
presentou-nos com os acontecimentos futuros. É nosso papel desviar a raça
humana dos erros presentes... E é também nosso papel ignorar o alerta.
Milhares de olhos
brilhavam no escuro. Milhares de sorrisos, como aquele que assustara a pequena
Alice, muitos anos no passado.
Nossa Era começou, ele miou,
maliciosamente.
Os miados acordaram
os moradores da cidade, curiosos com os dóceis animais reunidos entre as
árvores do parque.
Nossa Era começou! Miaram em
conjunto
http://www.thebulletin.org/content/media-center/announcements/2012/01/10/doomsday-clock-moves-1-minute-closer-to-midnight
http://www.thebulletin.org/content/media-center/announcements/2012/01/10/doomsday-clock-moves-1-minute-closer-to-midnight
Gostei bastante. Muito bom. Parabéns. Beijos.
ResponderExcluirFANTASTICO! FANTASTICO! Muito bom!....
ResponderExcluirParabens! MRN