Há alguns anos atrás, em uma feira de Bauru, encontrei dois discos de Chico Buarque no formato vinil, riscados e maltratados pelo tempo. Deixei quatro reais com o dono da banquinha e os levei para casa. Minha mãe que me acompanhava na ocasião entortou o nariz, nem vitrola temos mais, me disse. Mas eu não poderia deixar esses dois grandes álbuns ali, expostos, sem ninguém para guarda-los com o carinho necessário.
Durante muito tempo tive a curiosidade de voltar ao vinil para compreender se era nostalgia de uma tribo de velhos que não aceitavam o novo ou uma afirmação real o fato de sua sonoridade ser mais completa que a mídia digital. Como todas a fábricas de reprodução de vinil foram fechadas no país, pensava erroneamente que o vinil tinha sido erradicado da face da terra.
Aos poucos, os mesmos velhos recursos começaram a surgir atrelados aos novos; vitrolas com a tecnologia atual e entrada direta para computadores, reacendendo minha vontade. Então, há duas semanas atrás ganhei de um tio uma vitrola antiga, herdada de de um grande amigo. Sem ter onde coloca-la inicialmente, configurei caixa, vitrola, caixa no chão. E cacei os discos de Chico dentro de meu quarto, dando preferência inicial para aquele conhecido como a capa com a samambaia de fundo e coloquei para tocar.
Em um impulso infantil deite-me no chão. O samba de Feijoada Completa invadiu meus ouvidos e provocou algo dentro de mim. A constatação de que há anos eu não ouvia música apenas por contemplação. Mas a massacrava em meu cotidiano de afazeres, inda e vindas no ônibus, como uma fuga, não como o saborear de uma arte.
Mais que um elemento nostálgico foi o contato que me trouxe de volta dessa letargia. O vinil permitia uma relação mais profunda que um compact disc ou um player digital. Era necessário cuidado para retira-lo da capa, redobro para inseri-lo na vitrola e delicadeza extrema para suspender a agulha e, lentamente, abaixá-la deixando que os primeiros sulcos do vinil se transformasse em música.
O comprometimento era maior, parecia responsabilidade. Não era um arquivo digital baixado pelo computador apenas para preencher espaço, não era um mídia retirada de sua caixa colocada de ponta cabeça para não riscar e deixada por meses empoeirando-se sem me importar. Era além de um mero inserir de disco. Era necessário trabalhar com a vitrola, girar suas molas internas e fazê-la tocar, virar o disco, fazer o som invadir o ambiente. Subitamente a pulsão musical me invadiu.
A inexplicável sensação de ouvir uma canção, cantar junto desafinando o coro, parecia uma novidade recém nascida. Quebrou o receptáculo da música de elevador, na qual tinha envolvido boa parte de minhas audições nos últimos anos, para se tornar novamente purificada. Elevando-se ao seu canônico papel.
Talvez eu esteja ficando velho. Talvez seja uma maneira de honrar um elemento de meu passado, promover uma conexão com o futuro. Não retiro tais possibilidades. Mas a vitrola está lá, adormecida, esperando que eu a desperte e a faça rodar.
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