Ana, a locomotiva
Nunca bati em uma mulher. Exceto Ana. Duas vezes. Ela possuía a - péssima - mania de tomar pico. Na primeira vez que vi ela no chão, rindo abobalhada, achei que era uma overdose. Lhe dei um tapa para que tentasse articular alguma palavra. Na segunda vez, outro tapa, mas era mesmo overdose. O braço começou a ficar inchado e tive de levá-la ao hospital.
Dias depois, fui visitá-la. Olheiras no rosto, uma faixa no braço, morfina - ou algo que ela me disse ser morfina - na veia. "Trouxe cigarros?", me perguntou. "Sua idiota, você quase morreu", pensei, mas respondi apenas não.
Havia um rapaz com Ana no quarto. Tomavam pico juntos, não no quarto, na vida, esclarecendo. Nunca me senti tão incomodado em uma situação. Ela e ele, como se feitos um para o outro. Ana gostava de mim. Eu gostava de Ana. Mas ela era demais. Com Ana, eu precisava ser selvagem, chutar animais e latas pela rua.
Mas sou só um escritor.
Sujinha
Estávamos no terceiro encontro e só tínhamos dinheiro para a condução. O atraso do ônibus e uma chuva torrencial que surgiu me fez convidá-la para minha casa. Após uma toalha para se secar, ela pediu para tomar um banho quente, "não quero ficar resfriada por causa da chuva". Não encontrei maneira de dizer não.
Quinze minutos depois, saiu com um short e uma de minhas camisetas, roupas quase sujas, espalhadas por lá. Fui ao banheiro urinar. Então, eu vi. Era como as três caravelas de Cabral, uma ao lado da outra, boiando no vaso, em destaque.
Voltei à sala. "Vamos beber", me disse. "Não bebo", respondi. "Como você é careta", falou. "Pois é", respondi novamente.
E seu corpo semi nu cobrindo-me enquanto desabotoava seu sutiã não foi o suficiente para retirar aquela imagem de minha cabeça. Eram três, as caravelas de Cabral, boiavam no mar de Portugal.
A Rainha
Dez anos após a formatura, Carolina não era mais a beleza que guardei na memória platônica. Talvez fora esse o motivo que a fez sair comigo.
Estive naquele restaurante - que custou, aproximadamente, cinco de minhas refeições normais - pela nostalgia e a vontade sexual de, sob os lençóis, reconhecer que mesmo tardiamente a rainha do baile de formatura estava em minha cama.
Estive naquele restaurante - que custou, aproximadamente, cinco de minhas refeições normais - pela nostalgia e a vontade sexual de, sob os lençóis, reconhecer que mesmo tardiamente a rainha do baile de formatura estava em minha cama.
Mas ela estava feia de dar dó.
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Nota do autor: A personagem do primeiro conto, Ana, estreou em uma narrativa com seu nome que pode ser lida também no clube.
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Nota do autor: A personagem do primeiro conto, Ana, estreou em uma narrativa com seu nome que pode ser lida também no clube.
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