quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O ponto entre as pontes


Na paisagem estéril daquela cidade, bem naquela parte onde as pontes se cruzam, Cris esperava. O que ela esperava exatamente, ninguém sabia, o que todos sabiam é que esperava. Insistentemente.

Quando da primeira vez que se posicionou naquele ponto, ninguém entendeu o que uma mocinha tão pequena fazia ali parada. O local era perigoso e mal freqüentado e logo formou-se uma platéia dos mais diversos tipos de marginais. Nenhum deles sabia como agir. Não lhes era usual lidar com estranhos incautos, todos sabiam como a banda tocava por ali.

Não tardou e um dos pilantras se ergueu como o líder da escória e decidiu, aclamado pelos demais, ir até lá e inquirir a moça.

Durante todo o tempo do conselho dos salafrários Cris permaneceu quieta, alheia ao mundo ao seu redor, apenas atenta a um pequeno ponto entre as pontes, por onde mal passava uma criança. Ela nunca desviava os olhos dali. Em nenhum momento percebeu a ameaça e nem notou a fala e posteriormente os gritos do líder definido da cambada.

O indigente mor não acreditava naquilo. Tão firmemente se impusera como líder e agora passava tanta vergonha diante daquela mocinha. Não podia ter mais que 11 anos, seu corpo ainda era o de uma criança, o que era um grande problema para ele. Fosse uma mulher feita e ele poderia surrá-la, violá-la, matá-la, o que fosse preciso e – assim – recuperar a moral perdida pela humilhação. Gritou mais um pouco com ela. Ela nem parecia notá-lo. Precisava parar com isso, gritar com uma criança já era ruim, com uma menininha então era inaceitável do ponto de vista da “comunidade”. 

Não havia o que fazer, voltou para o grupo resignado e lhes disse que a criança era louca. Incrivelmente eles aceitaram e a deixaram em paz. A partir deste dia ela vinha sempre antes do nascer do sol e partia só tarde da noite. No tempo que ficava ali, apenas olhava atenta para o pequeno ponto entre as pontes, nada mais. Assim foi por cinco anos.

No dia em que tudo mudou algo diferente já se avizinhava logo quando Cris chegou. Havia uma neblina, uma névoa tão forte quer era impossível enxergar mais de um metro a frente. Cris – agora já uma moça, mas ainda com o corpo de menina – parou no mesmo lugar e olhou para o mesmo ponto entre as pontes, só que desta vez não havia o que olhar. Ela não entendeu. Procurava o ponto com seus olhos. Começou a ficar visivelmente desesperada, pois nada via. No ápice de seu desespero andou para a frente em busca do ponto. Primeiro relutante, depois decidida. Por fim enlouquecida. E correndo, como só pode correr quem está em busca de algo. Ela caiu no vão entre as pontes e morreu, sem nunca haver alcançado o ponto.

Seu corpo foi encontrado horas depois por um grupo usual de craqueiros que já a conheciam. Eles a levaram até o lugar onde ficara sempre para ser velada. Todos os freqüentadores do bairro, aquela escória que um dia havia a tentado enxotar, todos eles foram à “cerimônia” prestar sua homenagem.

E para que o local dela não ficasse para sempre deserto e desguarnecido o grupo que a havia achado resolveu passar suas “atividades” para o local, onde hoje fumam pedra e discutem calorosamente sobre o que a garotinha solitária procurava no ponto entre as pontes, enquanto eles mesmos olham e buscam suas respostas.

2 comentários:

  1. Texto muuuuito bom. Adorei o estilo. Parabéns e bom retorno. Ana Eliza Rizzi.

    ResponderExcluir
  2. Gostei do texto filho!!! Continue a escrever aqui e em qualquer lugar que é bacana. Bjs.

    ResponderExcluir