quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Amoras

Em silêncio, a luz do aparelho parecia irradiar mais energia, iluminando brevemente o quarto. Os contornos dela se destacavam, pintura lapidada em pedaços pelo azul luminoso. Enquanto os batimentos desciam lentamente, ele imaginou os amantes. Não a palavra que lembra os que amam, mas a acepção de um alguém que, além de estar com um amor, possui outro. Sentiu-se invadido por uma sensação de desgosto ao imaginar a dor de ter outro alguém.

Na escuridão do quarto via uma janela aberta no prédio da frente. De lá, era impossível ver o casal nu neste pequeno espaço, mas ele via a luz acesa no edifício. E se naquele prédio houvesse um amante que, neste momento, ligava para a esposa avisando que o plantão no trabalho se estenderia mais uma hora. Colocando a mão no bocal do telefone e, furtivamente, em provocação, beijasse a outra mulher, a desafiar a esposa que como um cão esperava a chegada do dono.

Tinha os pensamentos mais obtusos em momentos impróprios. Voltou a observar o corpo nu a sua frente pela velada luz do aparelho. A luz tênue parecia enganar os olhos, mas ele a enxergaria mesmo de olhos fechados. Aquele corpo como caminho predileto a percorrer.

Estavam cansados. Fechou os olhos por alguns momentos voltando a ideia dos amantes. Este corpo ao seu lado seria o de outra e ele em breve levantaria, colocaria a aliança, tentaria dar um jeito no cabelo e voltaria para a casa. Não, pensou. Horroroso demais.

Não que fosse um exemplo perfeito de bons costumes. Era assim que era e assim se satisfazia. Preferia ela por inteiro do que metades disformes que nunca se encaixariam. O sexo seria um pequeno detalhe. Mas e os passos furtivos? As histórias supostas e projetadas? A mentira de cara limpa com sabonete? Até quando um homem ou uma mulher suportaria guardar um segredo assim sem achar que está ferindo aquele que supostamente ama?

A mulher adormecera em seu peito enquanto estava em devaneios. A respiração cadenciada lhe dava calma nesta noite de calor em que a janela continuava aberta. Mesmo que ela tivesse medo de insetos, era impossível evitar.

Ele se sentia leve por estar com ela. Lentamente tateou o caderno de anotações do criado mudo. Com a caneta em punho escreveu: qual a validade de um amor feito de mentiras se há tanta beleza no amor que não se esconde atrás de segredos?. Grifou a palavra segredos por duas vezes e pousou o caderno no criado mudo novamente. Virou para o lado, dando-lhe um beijo na testa. Amanhã trabalharia melhor nesta ideia.

08 de dezembro de 2012

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