A sala de jantar limpa, as frutas que escolhi para você, o Crepusculário de Neruda marcando um poema que gosto. Abro minhas anotações, escrevo: “por que devo esquecer sua presença, se ainda nem pude te amar?”. Eu não sou um poeta, autor das coisas fugidias.
Mantenho o lápis no papel, mas observo a mim mesmo. Uma figura silenciosa fazendo uma anotação. Prossigo: “esquecer as sombras dos lençóis desarrumados, se todas as noites me deito na cama feita, sozinho”, eu rio da situação. Sou o riso lacônico e irônico em meio ao que parece caótico.
Dizem que poetas projetam o que não vivem no papel. Vida banal, perdida, apoio para congratulações por suas narrativas. Eu não gostaria de sofrer. Queria ser poeta que não fizesse versos para a dor que deveras sente. Eu não gostaria de ser poeta.
Prossigo para a próxima estrofe: “das flores que me lembram do seu cheiro, você que já não sei se é lar ou doce veneno”. Rabisco esses versos, deus, penso, como sou romântico. Não quero ser poeta.
Largo o lápis e vou até a frente de casa, recordo que a maioria dos poetas falam sobre a brisa, a sensação do vento, bobagens. No instante que fiz a primeira estrofe senti uma dor. Lembro de Menotti Del Pichia, versos que já contei, “veneno que se bebe em rútilos cristais e sabendo que mata eu quero beber mais”.
Está feito. Não sou poeta de escrever versos que encantam. Só funciono com tragédias, mal escritas, simuladas. Não sou de verdade. Um poeta deveria ser genial, saber o que faz, não eu.
Nunca eu. Não me importa o uso desse adverbio. Mesmo que sisudo, mesmo que pesado. Há horas que não gostaria de ser poeta. Não gostaria de ser ninguém. No fim, sempre sou eu mesmo.
Não quero prosseguir com o poema, tenho medo de seu fim. Desejo que suas palavras nunca se completem, mantendo em mim a ilusão como fonte, um cais. Negarei até não mais negar o veneno escorrendo das veias.
Estou triste. Sempre fui triste. Poeta, autor de coisas fugidias. Amanhã tudo se repetirá. Verei as nuvens no céu e escrevei metáforas como se fossem de algodão.
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