Meu nome é Jonhatan Raymond. Todos os dias acordo e ando
pelas ruas cinzentas de Londres, fazendo dinheiro e vivendo uma vida que adoro.
Eu sou o cara que você encara no metrô, com um terno suado e uma gravata
apertada no pescoço, e imagina o tipo de vida enfadonha que leva. E você está
certo, minha vida é enfadonha e isso é tudo que sempre quis. Mas é melhor
começar pelo início, como todas as histórias memoráveis. Meu nome não é Jonhatan
Raymond e esse é o melhor começo para a minha história.
Perto do distrito
londrino de Camden Town, há uma porta vermelha marcada pelo tempo, a tinta
velha está descascada, a maçaneta opaca sempre suja pela gordura das mãos de
viciados em heroína e imigrantes ilegais sem chances de melhores condições,
seja lá de onde vieram. A porta se abre para um corredor escuro e
claustrofóbico, do tipo que você precisa apoiar nas paredes e andar rápido até
encontrar um aposento mais iluminado, porque a sensação de que algo está alí
para te fazer mal é uma das características do lugar. Sua mão seguirá o papel
de parede mofado até a escada no fundo, acredite. Suas pernas hesitantes farão
com que cada degrau grite injúrias em rangidos secos e triturantes. O barulho
de projéteis disparados, crianças chorando e casais berrando o mais alto que conseguirem
é a trilha sonora do prédio esquecido pela cidade. Passar por esse corredor,
caro Estranho, é um teste para sua sanidade. Se de alguma forma você for doente
o bastante para atravessar os vinte passos até a escada e escalar todo o
caminho, emergindo cada vez mais no lado escuro de Londres... bem, você está no
lugar certo.
A porta do segundo
andar parece ter saído de algum set de filmagens em Hollywood. Um vidro ocupa
dois terços e nele está estampado meu nome, Chandler
D. Humphring, próximo a um Olho de Osíris. Não é nada supersticioso; apenas
um símbolo que parece funcionar para o tipo de pessoa que me procura, bastardos
sem moral que acreditam em qualquer baboseira que venha de alguma terra
distante e exótica. A terceira linha escrita na porta diz: Detetive Particular. Ela só não é perfeita porque não é em preto e
branco.
Na sua mente você
já sabe como pintar o cenário. Dezenas de páginas antigas de jornal estão
espalhadas pelo cômodo, sobre a mesa central e pelas duas cadeiras sujas em que
as pessoas colocam suas respectivas bundas na procura de minha ajuda, o desesperado
último recurso. Uma planta quase morta permance, murcha e caída, em um grande
vaso no canto esquerdo de quem sai; na parede da direita, um cabideiro com
minha capa de sarja e meu Fedora; ao lado do cabideiro amarelo, o único
arquivador de metal com quatro gavetas separadas, todas cheias até a capacidade
máxima de pastas e arquivos, notas fiscais evasivas e fotos de pessoas mortas. Estou
sentado na cadeira de encosto alto e, como você deve saber, com as duas pernas
apoiadas sobre a mesa de madeira, um chiclete antigo em uma das solas de meu
sapato estranhamente bem engraxados e um cigarro nos lábios. A fumaça sobe em
colunas belas, quase mágicas. Na mesa, perto de meus pés, o único retrado de
uma família feliz marca meu passado e o motivo da sombra carrancuda do que
antes era. As gavetas da mesa estão trancadas, mas de alguma forma eu não
preciso mentir sobre o revólver ou o litro de whisky consumido pela metade, o
lugar de melhor acesso: como eu disse, a cena só não é perfeita por não ser em
preto e branco.
Como manda o clichê,
ela entrou pela porta com sedosas pernas longas e nuas, alvas como leite, tentadoras
como o próprio diabo. O vestido curto, com certeza vermelho, exibia com
exatidão as curvas sensuais da mulher, cobertas por um capa de seda azul. Um
grande chapéu enfeitava os cabelos dourados. O rosto redondo dava espaço para
lábios grossos e macios, um nariz delicado e dois olhos azuis que pareciam
sugar minha alma. Um lobo em pele de
cordeiro, pensei no mesmo instante. Os seios fartos, no entanto, apagaram
qualquer pensamento de minha mente.
“Preciso de seus
serviços”, ela disse com uma voz macia. Ela falava em Jazz. Sentei como um adulto e derrubei o cigarro terminado no
cinzeiro de vidro. Aquele cinzeiro não estava alí por acaso, apenas porque
fumo. Ele era pesado e repleto de quinas: uma arma nas horas de necessidade. Quero que você siga meu marido, pensei. “Quero
que você siga meu marido”, ela disse musicalmente. Acredito que ele esteja tendo um caso, meus lábios quase se moveram,
formando as palavras. “Acho que ele está me traindo”, retirou um lenço da bolsa
e enxugou olhos lacrimosos. Quase,
pensei.
Abri a gaveta e
coloquei dois copos sobre a mesa, despejando a bebida âmbar em seguida. A
garrafa de Jack Daniels pousou com um baque seco na madeira. Era uma garrafa de
base quadrada, pesada e resistente. “Meus... serviços são caros, madame.” Eu bebi metade de minha dose em apenas
um gole. A bebida desceu queimando pela garganta até meu estômago vazio.
Ela concordou com a
cabeça, ainda sobre o grande chapéu, e jogou um envelope pardo entre os dois
copos. Eu contei o dinheiro. Quatro mil libras. Impressionante. “Estou disposta
a pagar mais oito mil depois que você concluir a investigação. Isso basta para
suas despesas?” Que tal alguns beijos?,
apenas concordei com um rápido movimento em meu queixo. Aqueles olhos. Havia
algo de errado com eles. Não era apenas a decepção que ela sentia com o tolo
homem com quem era casada, era algo... incerto, diferente. Talvez fosse o tom
claro do azul naqueles olhos, talvez todo o conjunto; algo estava errado e eu
estava hipnotizado pelas notas em sua voz, o que me fazia ignorar o alarme.
Reformulando meu pensamento, ela não era um lobo. Ah não, meu caro Estranho,
ela era uma sereia. E o canto invadia minha mente, meu barco ia na direção das
rochas e não havia nada a ser feito. “Encontrei isso na carteira dele ontem,
junto com uma conta da semana passada, ele gastou setecentas libras aqui”, ela
continuou enquanto me entregava um imã para geladeira. Era um pedaço retangular
estampado com o desenho de uma lua e uma flor branca. Hotel Dama da Noite, dizia em letras garrafais. Aberto 24h. TODOS os dias do ano! No fim
da propaganda, três diferentes números para contato e um endereço de e-mail. Em
seguida ela me entregou uma foto do meu alvo, ele era um banqueiro gordo e
baixo, do tipo grotesco que usava grossas correntes de ouro, gel no cabelo que
restava na cabeça calva e suspensórios. Eu não tenho outra opção que não seja
odiar pessoas de suspensórios, esse é o principal motivo pelo qual quero matar
todos os palhaços. Suspensórios de merda.
“Ele parece uma pessoa perigosa”, a porra de um capo, pensei comigo mesmo.
Não estava gostando do desenvolvimento daquela história.
“Um aleijado
consegue correr mais do que ele, olhe para a barriga, pelo amor de Deus!” Ela
bebeu o whisky. As mãos estavam impacientes.
“Armas?”
“Nunca vi uma única
arma na casa. Ele evita usar facas pontiagudas porque sempre corta a mão. Armas
de fogo estão fora de questão. Acho que ele atiraria no próprio pé, o inútil.”
“Você quer fotos
dele com outra pessoa? Ou vídeos? Ou apenas minha palavra será o suficiente?”
“Sua palavra?”, ela
sorriu. “Não será o suficiente, não as palavras de alguém que fica aqui, nesse
prédio. Nunca.”
“Cuidado com sua
atitude, madame. Nosso contrato ainda não está firmado. Você quer a
investigação bem feita, com cuidado e sigilo, certo?”
“De preferência,
sim.” Ela se mecheu na cadeira, desconfortável com o encontro. “Fotos. Algumas
fotos e estamos de acordo.”
“Volte em dois
dias, ele será minha prioridade.”
“Bob Merrygold, é o
nome dele. Deus, até isso é uma piada. Bob”, dissem em um tom de desprezo.
Em seguida, ela se
levantou e respirou fundo. Andou até a porta e a abriu. “Seu corredor fede a
mijo”, disse antes de desaparecer no odor de urina. Poucos minutos depois, era
a minha vez de atravessar o corredor apertado e fétido. Alguns clientes faziam
piada sobre aquele lugar ser um ânus. Eu nunca achei graça, mas havia alguma
razão no gracejo.
O Dama da Noite era uma espelunca. O dono
não tinha a mínima vergonha em chamar aquele conjunto de quartos e banheiros
cheios de baratas e drogados esquecidos pelos cantos de ‘Hotel’. “Filho da
puta!”, gritei quando passei as rodas de meu wolks antigo por cima de uma
garrafa de cerveja. Londres é uma bosta. Andar naquele estacionamento foi como
dançar em um campo minado, era possível escolher em qual camisinha usada pisar
ao invés de tocar o asfalto. “Bob, seu desgraçado, isso não é lugar para trazer
uma mulher. Setecentos dólares nessa espelunca? Você viveu aqui por anos e
anos?”
Nunca entendi os
ricos que tinham amantes. De ambos os sexos, de qualquer gênero, incluindo o do
meio. Em minha profissão você acaba esbarrando com certa regularidade no sexo
que vai além do normal. Não entenda mal, não sou homófobo. Mas convenhamos que
orgias de transsexuais com espancamentos e submissão é algo que está fora do
interesse da grande maioria das pessoas. Em todo caso, atravessei aquele
estacionamente me perguntando porque escolher ter relações em um lugar como
aquele com outra pessoa se, no caso do Bob, uma das mais lindas mulheres
deveria estar esperando em casa, deitada em uma cama ‘king size’ fria e
solitária. Ele merecia o que estava por vim, eu me decidira. Bater as fotos era
algo importante e seria feito, de uma maneira ou de outra.
A recepção do hotel
era o que você esperaria estando em minha pele: suja, esfumaçada e apertada.
Tirei meu chapéu e me certifiquei de que o sobretudo não encostaria em qualquer
móvel daquele lugar horrível. “Importa-se de dividir uma informação, amigo?”,
perguntei para um homem sentado no banco atrás do balcão. Ele estava com a barba
por fazer e, apesar do frio daquele dia, usava apenas uma camiseta sem mangas, manchas
amareladas por baixo de cada axila e um furo feito provavelmente por um cigarro
um pouco acima do umbigo. Ele tinha as maiores bolsas abaixo dos olhos que eu
já vi na minha vida. A pele plastificada pelo abuso de drogas pesadas.
“Isso depende do
quê e de quanto”, respondeu em tom neutro. Ah, a doce vida de um investigador.
Algumas vezes penso no meu sobretudo como um uniforme nazista. Coloque uma
sarja comprida e um chapéu Fedora por cima de uma roupa descente e pronto, você
é um investigador particular e as pessoas tratar-te-ão de acordo. Experimente
usar uma suástica na França ocupada ou um turbante nos Estados Unidos de hoje e
você saberá do que estou falando. Mas, hey, é o meu estilo de guarda-roupas, o
que posso fazer? Andar como uma pessoa normal? Qual o sentido em sem um
investigador particular se não for pelo pacote todo? É o estilo de vida,
Estranho.
Joguei duas notas
de cem libras por cima do balcão. Quatro olhos reais me fulminaram com
reprovação quando o papel caiu na frente do homem. “Tudo que preciso saber é se
você conhece este simpático indivíduo e com qual freqüencia ele aparece aqui.”
Ele pegou a
fotografia com dedos roliços e a estudou. “Bret, velho Bret”, recolheu uma das
notas. Prendi a outra com a minha mão.
“Continue”,
incentivei.
“Ele vem... três,
quatro vezes por semana. Às vezes cinco. Nos últimos dois anos, religiosamente.”
Ele puxou a nota,
mas ela não saiu de baixo da minha palma. “Ele faz a peregrinação religiosa
sozinho?”
“Não. Ele vem
sempre com a mesma mulher, uma loira. Linda. Eu não a trocaria por nada nesse
mundo, chefe. Olhos vermelhos, uma verdadeira boneca.”
“Quando ele veio
pela última vez?” Ele me surpreendeu com um rápido puxão e, mais rápido que a
luz, o dinheiro desapareceu no bolso da calça larga.
“Um pouco mais da
Senhora Nossa Majestade e pode ser que eu tenha mais coisas para contar.” Olhei
com ódio para o dono do Dama da Noite.
Nada que eu poderia fazer. Estendi mais cem libras. “Pode ser que ele esteja
aqui neste instante.”
“Qual número?”
“O quê? Para você
entrar e matar o cara em um dos quartos? Estou atolado até o pescoço com a
polícia, nada feito.” Ele, no entanto estendeu a mão em minha direção, palma
para cima. Suficiente, eu decidi. Torci a mão gorda para trás em um rápido
movimento e forcei o cotovelo na direção errada. Um baque seco ecoou na sala, ele
esticou o pescoço e gritou de dor. Com minha mão livre agarrei o pescoço
engordurado e afundei a testa do homem na balcão com força suficiente para
fazer soar a pequena camapainha em um dos cantos da madeira fina. Sangue
começou a cair no mesmo momento.
“Qual número?”,
repeti com impaciência na voz.
“Tre... Treze!” Ele
chorava, assustado e acoado. Que visão triste. “Mate-o em outro lugar, por
favor, não em um dos quartos!”
Estiquei o braço
que segurava a cabeça e peguei a chave do quarto doze. Subi as escadas
rapidamente e entrei, furtivo, no quarto. Fui atingido pelo odor de suor,
vômito, sexo e naftalina, não necessariamente nesta ordem, e quase vomitei.
Colei meu ouvido na parede e escutei gemidos de uma mulher. Alcancei minha
câmera fotográfica no bolso e desliguei o flash. Hora de trabalhar. Esperei
alguns minutos, espiando pela janela do quarto para ter certeza de que não
havia sido seguido e saí pela porta, abrindo-a com carinha e evitando rangidos
desnecessários. O corredor do hotel estava vazio. Apenas uma barata corria pelo
teto, desaparecendo pelas escadas. Os quartos tinham janelas voltadas para
fora. Conveniente, pensei. O quarto
treze tinha uma pequena abertura entre as cortinas de segunda mão e era
possível enxergar o casal deitado na cama. Bret, também conhecido como Bob na
vida pública, estava amarrado na cama, vestindo apenas meias pretas nos pés, a
barriga flácida balançando com o peso da mulher. Dois lenços de seda o prendiam
no colchão de molas. Ele o cavalgava vigorosamente. Era linda, com as medidas
certas e curvas acentuadas nos melhores lugares. Os seios maravilhosos balnçavam
sensualmente no esforço sexual e os gemidos altos podiam ser ouvidos do lado de
fora. Eu cliquei sete vezes.
Rapidamente, fiquei
de joelhos e olhei para as fotos na tela de minha máquina. Eu já tinha as
provas: as expressões de êxtase de Bob eram visíveis em todas as fotos. “Seu
bastardo sortudo”, murmurei com um misto de ódio e inveja.
Quando vi a
terceira foto, no entanto, a história tornou-se confusa. Eu vi a mesma mulher
sobre Bob, a loira que havia encomendado minha investigação. Os cabelos loiros,
os fartos lábios e as coxas luxuriosas eram indicadores. Era a mulher de Bob
naquele quarto. O que ela está fazendo
aqui com ele? Minha mente entrou em torpor. Parte pela visão do corpo
feminino em um dos mais perfeitos exemplares, parte pela perplexidade que
sentia.
“Oi! Seu
desgraçado!” Virei o rosto na direção do som e vi a porta do quarto treze
aberta. Bob estava do meu lado, o pênis ereto perto de minha face. A última
coisa que vi foi o corpo esbelto com os braços erguidos. Quando ela desceu a
garrafa de Jack Daniels na minha cabeça, perdi a consciência imaginando como
gostaria daqueles seios rodeando meu rosto. Pensei também o quanto eu adorava
Jack Daniels.
O mundo, no
entanto, tornou-se escuro.
Muuuuuito bom. Adorei. <vc mais uma vez se superando. Muito criativo e detalhista. Parabéens. Ana Eliza.
ResponderExcluirAdoraria ver contos eróticos contados por você, você parece ser bem pervertido.
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