Quando Roberto olhou ao redor, sentiu subitamente cair-lhe sobre os ombros uma pressão que até aquele momento simplesmente ignorava. Não que não soubesse estar cercado por quase cem mil pessoas nas últimas duas horas. Mas, de um instante para outro, ao contemplar os dois exércitos – um azul e o outro verde e amarelo - que o cercavam, sentiu-se repentinamente oprimido. Como que não quisessem voltar-se para o fardo da responsabilidade, seus olhos fixaram-se, em busca de dúvidas, no letreiro que indicava seu nome e número para o próximo e derradeiro pênalti.
Já estivera antes em grandes decisões, com públicos até maiores do que aquele. Já havia enfrentado adversários melhores e com mais auto-confiança do que aqueles. Naquele mesmo evento, naquela mesma Copa, ele e seus companheiros haviam derrotado pelo menos dois times mais habilidosos e entrosados do que aquele amealhado de idosos e falsas estrelas. Sabia muito bem que toda batalha tinha seus heróis, e sabia igualmente ser o herói dos que o cercavam. E em outras batalhas, ele fora o herói, o campeão triunfante que carregava consigo a vitória e o orgulho. E como um verdadeiro herói, viu seus inimigos derrotados diante de si. Mas Naquela tarde, naquela improvável tarde, não haviam conseguido derrota-los.
Olhou para seus adversários. Alguns já velhos conhecidos de outros jogos, quando vestiam outras camisas. Haviam lutado por noventa minutos, mais uma prorrogação inteira. Ele próprio, o próprio Roberto, havia lutado em cada um desses cento e vinte minutos. As oportunidades surgiram, mas não um gol, um único e miserável gol que pusesse fim àquela tortura física e mental.
Física, porque já nas últimas semanas lutava contra uma lesão no joelho. Havia saído milagrosamente de uma cirurgia recente para em poucas semanas de terapia se habilitar ao jogo. Não houve um único minuto em que não houvesse sentido o fraquejar dos ligamentos recém-costurados. Não podia pensar naquilo, precisava concentrar-se, pensar no fim que se aproximava.
Respirou fundo. Olhou para a frente e, no exato momento em que seus olhos encontraram os do guardião das traves, um homem que sabia ser como os demais um dos melhores de seu país, nesse exato e inevitável momento, ouviu o apito do juiz.
Sabia o que o som indicava. Indicava a autorização para chutar, para colocar um fim à angústia de centenas de milhões. Para avançar alguns metros e decidir alguns futuros. O seu próprio futuro. E quando olhou novamente para o letreiro que dizia "R. BAGGIO", sentiu o joelho tremendo, as pernas dormentes e os pés latejando após duas horas de esforço bélico. O último pênalti, último de cinco, o último chute do jogo e também de uma Copa. No último segundo, pensou em duas formas simetricamente opostas para o desfecho de sua tragédia. E naquele derradeiro instante, sentindo-se incompreensivelmente oprimido por tudo o que o cercava, lembrou-se que, para cada herói glorificado, um vilão precisava ser igualmente rechaçado.
Nesse último e terrível instante, com tais últimos e terríveis pensamentos na improvável tarde de 17 de Julho de 1994, Roberto avançou e, com os olhos fixos, chutou o último pênalti.
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