Escolheu pimenta, salsa e alho como tempero de sua refeição. Selecionou com cuidado, dentre as panelas disponíveis na vasta cozinha, a mais indicada para refogar seu almoço. Tinha comprado o vinho na noite anterior, uma boa safra, imaginava.
A carne ainda denotaria certo tempo, cuidado para talhá-la, retirar as partes que não parecessem suculentas e, após a seleção, temperá-las com cuidado, para a especial refeição.
Estava nitidamente cansado. Porém, o tempo de demora a realizar o prato lhe dava mais apetite. A cada vez que passava o escovão no quarto dos fundos, a memória se prolongava no futuro, e os lábios umedeciam de desejo. Esperou muito por esse momento e, finalmente, chegara.
Comprou livros como estudo, tamanho o prazer. Descobrindo a melhor maneira de produzir a carne, selecionando pedaços cruciais e descartando aqueles não tão nutritivos. Era necessário prática para corta-la sem transformá-la em pedaços feios e disformes. Mas havia treinado há meses para seu jantar especial.
A cabeça já havia retirado no quarto dos fundos. Não imaginara que tanto sangue escorreria, mas valeria o esforço. Restava agora o corpo, que retirava do gigantesco freezer alocado na sala.
Colocando desajeitadamente o corpo sobre a mesa da pia, corpo ainda inteiro, de homem branco na faixa dos trinta anos. Escolheu as pernas como primeira refeição. Dois talhos precisos nas carnes da coxa, com a faca mais afiada. O homem era grande, os dois pedaços de bife recém retirados lhe dariam uma boa refeição. Tornou a guardá-lo no congelador.
Picou a coxa em quadrados, como orientava a receita que tinha lido, trocando a eventual carne bovina por aquela que tinha desejo. Fez o picote quase com devoção, salgou-a e foi para o fogão.
Esperou que o fio de azeite espanhol começasse a emanar seu cheio no ar para concluir que a panela estava quente suficiente para os ingredientes. Colocou o pimentão, a salsa, o alho e a carne humana ao mesmo tempo. E exalou, pela primeira vez, o cheiro que diria depois ser a comida dos deuses.
Refogou mexendo com uma colher de pau, até sentir que as carnes vermelhas parecessem tenras e prontas para a degustação.
Abriu o vinho, deixando-o descansar, enquanto aguardava os legumes serem cozidos. Acendeu uma vela para a cena se tornar mais romântica e serviu o prato. Preparou a primeira garfada suculenta, com a boca cheia d´agua, e, colocando o alimento em seus lábios, realizava um sonho contido de trinta anos. Era um momento espetacular de sua vida.
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