quarta-feira, 16 de junho de 2010

O Declínio do Império Brasileiro


27 de Junho de 2006

Era o cochilo da tarde, a folga leve após o almoço, doce almoço de casa que José saboreava após dias no restaurante perto da firma. Não era feriado, mas hoje estava de folga, meio período ao menos. Motivo para que sorrisse, “Viva a seleção”, dizia, “graças a ela meio expediente e a tarde livre para o jogo das oitavas”.

Saiu de seu bom sono pelo empurrão da esposa, idas e vindas em seu braço esquerdo até que ele acordasse, abrisse bem os olhos. Saltando a sua frente, Amanda foi certeira. “Zé, estou com desejo, preciso de pistaches”.

Era o oitavo mês do bebê, oitavo mês daquela alegria única divididas por casais. O primeiro deles, vindo depois de muito estudo e planejamento. Contas para saber se tudo ocorreria bem.

Esposa e neném passavam bem. Amanda tinha poucos enjôos, ele chutava demais e, na época de Copa, um chute nem era reclamação, era motivo de felicidade boba para dizer o óbvio. Será esportista, já está torcendo pela seleção, lá de dentro.

“Agora, mulher?”, e José olhou no relógio de pulso, que estava na mesinha ao lado do sofá. "Mas são três e cinqüenta da tarde, eu escuto o Galvão daqui falando sobre nosso jogo". “Agora, José. Aqueles pistaches bem torradinhos, que a gente quebra com cuidado e come” e soltou uma sonora onomatopéia recheada de apetite.

“Hoje é jogo do Brasil, Amanda”. E ela, começando a não compreender a situação, fechava o rosto. “E, José?”. "A essa hora tudo está fechado, a cidade para por causa da copa", José insistiu, um pouco irritado.

E ele levantou do sofá com cara de poucos amigos. “Vamos repassar. Você”, e apontou para ela dizendo todas as silabas com cuidado, “quer que agora, eu, José, saia, com o carro, para buscar pistaches no jogo do Brasil. Brasil.”, e mostrou a bandeirinha colada na frente de casa, “contra a França do Zidane. Zidane. Para comprar pistaches?”.

Amanda lhe olhou por alguns segundos em silêncio, “uhum, e uma soda se possível, mas eu estou com desejo mesmo dos pistaches”.

E trocaram rostos cômicos, José com sorriso irônico vencido por Amanda com rosto de faça se não o sofá será sua residência no próximos dias. “Mas eu nem tenho rádio no carro”, bufou. E foi. O mais rápido que podia.


“Posto de conveniência, fechado. Mercado, fechado. Fechado. Esse também fechado. Droga. Malditos pistaches”. E olhava no relógio, quatro horas e trinta e cinco minutos. “O jogo, o jogo. O Brasil deve estar batendo um bolão”. Um posto aberto. Frentistas em frente da televisão.

O carro veio veloz, parou quase em cima deles, que não se mexeram. “Amigos, o mercadinho está aberto, eu preciso de pis... ta... ches...” E olhou para a tela que reprisava o único gol do jogo. Pênalti, Zinedide Zidane, aos 33 do primeiro tempo, exatos dois minutos atrás.

Os funcionários não responderam e José, espantado só perguntou, “Como?”. Um dos frentistas tirou uma cerveja de um balde cheio de gelo, jogou ao rapaz e apontou uma cadeira de praia fechada. “Se o senhor perder o resto, é capaz de não dormir a noite”.


E esqueceu de tudo. Permaneceu concentrado com olhos naquela tela imunda cheia de fantasmas, e na cerveja que lhe descia gelada pela guela, anestesiando o que, no meio do segundo tempo, muitos brasileiros sabiam. A derrota.


Quando chegou em casa de mãos vazias, sem soda ou pistache, esquecido pela tristeza da perda, imaginou encontrar Amanda furiosa. Mas ela estava na sala, em frente a televisão, chorosa. Embora achasse estranho, hormônios da gravidez, afinal, foi consolada. E abraçaram-se. “Perdemos”, ela disse. “Eu vi”, replicou. Ficaram em silêncio. Um abraço prolongado.



15 de junho de 2010

Ele corria pela sala empolgado, vestido de camiseta amarela, calção azul e com o rosto pintado. Apitava para lá e para cá gritando “Brasil”. Era a primeira copa de Juninho. Seu nascimento ocorreu quase um mês depois da derrota canarinha para a França, no fatídico jogo dominado brilhantemente por Zidane. Não que isso fosse importante para José, a perda do mundial, naquela ano, não seria nada, comparado a benção de receber um filho.


E la estava ele, brincando de bola antes do jogo. Era lindo, lembrava o pai, pensava. Mas as vezes, olhando demais, sempre tinha a leve impressão de que, além de sua figura paterna, o garoto lembrava pistaches. Mas não lembrava-se do porque exatamente.

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