Abri suas páginas com um ardor que normalmente me falta na vida cotidiana. Não que eu seja frio. Apenas entediado. Suas páginas eram como quaisquer outras se vistas com o devido distanciamento. Brancas, com letras miúdas, sem figuras. Se olhássemos bem de perto, só veríamos melhor suas letras. Mas se olhássemos com atenção. Com toda a atenção devida. Veríamos todo o mundo que se escondia nessas páginas tão comuns. Um mundo vasto o suficiente para merecer de mim todo o ardor que eu não dedicava à vida cotidiana.
Quando ele chegou, eu o recebi como se fosse uma visita importante. Passei um café e dediquei tempo a ele. Eu abri o plástico que o recobria com tanto carinho, que poderia muito bem se passar por uma experiência física o que normalmente é uma experiência intelectual. Não toleraria nenhum amassado. Os únicos amassados aceitáveis em um livro são os feitos durante a atividade da leitura. Todos os outros são blasfêmias.
Depois de passada a emoção sentida – algo perto do êxtase, mas com a serenidade necessária para o momento – eu pude finalmente sentar-me e começar a utilizá-lo da maneira devida. Lendo. Comecei com a orelha. A acariciei como faria com qualquer outra dama. Depois passei para o corpo. Com aquele temor delicioso que nos toma conta antes de nos entregarmos a quaisquer atividades prazerosas. Um temor de que acabe antes que fiquemos de fato saciados.
Guardei-o, displicentemente, em cima do criado-mudo. Ali, a vista. Não o havia lido todo. Não, não gastaria tudo de uma só vez. Guardei-o assim como guardei meinha vontade, pulsante, bem fundo em mim.
De vez em quando, logo após chegar da rua, eu o abro e leio com ardor, trancado no quarto, para que ninguém me interrompa. Leio um pouquinho. O suficiente para que a minha imaginação se reabasteça, mas não o bastante para poder me cansar. Não. Quero poder lê-lo por muito tempo ainda, conservando o frescor da novidade e das revelações. Conservando o ardor que não dedico a mais nada.
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