O chinês imaginário era um corsário, hoje. Atracou silenciosamente na margem do rio Tietê e fincou os pés em terra. Pouco depois, bem pouco, colocou pé frente do outro, sacudiu-se e foi andar. Andando andando andando, não se sabe lá bem como, chegou à avenida Paulista, aquele assombro. Chegou. Percorreu de ida-e-volta umas três vezes a avenida, porque sim, porque queria ver que maravilha escondida estava escondida ali. Tesouro, um algo, qualquer coisa do tipo rica. Achou foi muita coisa, porção de mulher bonita, e tabuletas de "Compro Ouro" e tabuletas do fim do mundo e tabuletas de shows escusos na rua Augusta. O que o chinês imaginário viu foi uma pusta lua encoberta por um pó fininho cinzento que partia do chão e ia até o alto céu, ou vinha do céu e caía no asfalto quente preto poluído, tanto faz.
Lembrou das Termópilas, desfiladeiro estreito e alto, garganta do diabo, quando viu o mar de prédios ambos lados na avenida do estado. Parecia mesmo que 300 bons guerreiros parariam um mundo inteiro de inimigos se parassem pra um café. O chinês imaginário, então, sentou numa mesinha na calçada e tomou um curto café preto acompanhado tão-somente de poluição, que devorava a bocadas. O ar dessa cidade não é como o ar da Ásia de onde veio, e com um pão de queijo dá até pra disfarçar o gosto de fuligem, medo e mal. Levantou sem pagar a conta e seguiu mais adiante, ensombrado pelos prédios gigantes que o cercavam.
Ao atravessar a rua, avenida, viu um jovem meio forte de cabeça bem raspada e rosto bravo. Vestia uma jaqueta dos Spartans, esse macho, e a metáfora toda fez sentido pro chinês. O desfiladeiro paulistano tinha uma multidão de muitíssimos mais que 300, tinha sim, para defendê-lo. Graças a deus, porque pro chinês é impossível parar ali. E não parou. Seguindo Augusta, uma velha velha puta que caminha sampa adentro, seguindo Augusta, viu parar em uma esquina um grandíssimo caminhão escrito Brahma. Parou num solavanco, e o chinês - pra acompanhar - solavancou também. De dentro dele, caminhão, pularam dois homens a abrir as portas e tirar cervejas, a fazer entregas. De dentro dele, chinês corsário de estrada e sangue, uma vontade de caminhar.
Passou pelo caminhão, armou-se de uma garrafa, tirou a tampa com o dente e seguiu quase que invisível, por certo que transparente, pelas veias da cidade que o expeliam num cuspe só.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
pirata do tietê
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Gostei da demonstração de conhecimento paulistano. Comecei a apreciar mais seu texto! :)
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