quarta-feira, 5 de junho de 2013

Algum

Em uma das maiores cidades do mundo, cujo nome será omitido, há um homem sentado no chão de uma praça pública. Em posição de lótus, costas alinhadas em perpendicular com o chão, olhos fechados e roupas largas que cobrem quase toda a extensão de seu corpo.

No primeiro dia, alguns transeuntes pararam para observar. Imaginavam que a qualquer momento assistiriam a um excelente espetáculo. Outros se lembravam de um mágico que, anos atrás, ficara preso em uma caixa de vidro em uma das maiores cidades do mundo, apenas porque, dizia, era capaz de permanecer dias sem nenhum alimento.

Passantes costumeiros daquela praça, que diariamente utilizavam-na como espaço para seu caminhar, disseram que, no segundo e terceiro dia, nada esteve diferente. Alguns acreditaram que o homem estava morto. Outros foram colhendo depoimentos de quem lá passava para descobrir se, em algum momento, ele fora flagrado exercendo qualquer atividade além de parecer uma estátua viva.

Além de suas vestes, uma bolsa estava em seu colo, tão imóvel quanto o próprio homem que parecia fazer parte do corpo, formando uma única carcaça vazia. Como se aquele rapaz não tivesse tempo, ou vontade, de observar o mundo além de sua própria interioridade.

O homem pressentiu o nascimento do quinto dia em que estava na praça pela temperatura que começava a esquentar. Moveu apenas uma mão até a bolsa, retirando dela uma garrafa de plástico que despejou em si assim que abriu a tampa. Riscou o fósforo, também retirado da bolsa, e retornou em sua posição inicial.

Sem produzir nenhum som, nem agonia ou alívio, o homem permaneceu. Os gritos circundavam-no devido aos passantes que se impressionaram com o feito, embora nada faziam para ajudar. Estavam ao seu redor, aquecidos pelo calor e somente se deram conta do feito quando um dos homens presentes disse que, além de aquecer, o cheiro parecia apetitoso. O que espantou o resto do grupo fazendo-os perceber que, naquele momento, assistiam a uma cena espantosa.

O homem da revistaria defronte à praça agiu, correndo com um pano longo, que um dia fora uma coberta, para tentar aplacar as chamas. Mas o homem já estava morto. Se trajava documentos, foram queimados também. Na bolsa que se salvou em partes, um livro de Miguel de Unamuno no original.

Sem identidade, o homem não era ninguém. Era só acontecimento, uma notícia de jornal que, amanhã, nem seria lembrada por suas cinzas, limpas naquela mesma tarde por funcionários da prefeitura.

05 de Junho de 2013

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